quarta-feira, 11 de abril de 2012

O Crato e os chumbos

Já todos ouvimos: a escola portuguesa estaria “centrada nos alunos” desprezando os conhecimentos, seria laxista e o rigor começaria com o desdobrar dos exames e com a multiplicação dos merecidos chumbos, estaria fundada na perene influência de um tal de Rousseau que parece ter dito que a criança tem sempre razão, estaria por isso sob o jugo pedagógico de uns teóricos esquerdistas, experimentalistas e tresloucados, que imporiam um discurso, o eduquês, e umas práticas educativas radicais.
Nuno Crato foi um dos principais rostos da ofensiva ideológica que divulgou estas ideias. O seu discurso teve tanto sucesso que chefia agora o Ministério que achava que era necessário implodir.
Lá chegado, fez o mesmo que todos os seus antecessores: uma “reforma” cirúrgica que corta parte das reformas anteriores sem nunca ter havido uma avaliação séria do afã reformista e mantendo os problemas essenciais do sistema educativo. A pouca diferença que fez traduz-se na multiplicação de exames que deverá magicamente melhorar a qualidade das aprendizagens e na redução do carácter prático do ensino tecnológico e da componente experimental das ciências.
No fim de contas, verificou-se que o matemático se mostrou apenas um gestor pragmático dos cortes impostos pela troika. Não chumbaria esse Crato guru da crítica ao eduquês o actual Crato ministro da Educação já que tudo permanece fundamentalmente igual?
Acontece que o que já todos ouvimos nunca bateu certo com o que se passa nas escolas: nem a escola está centrada nos alunos, nem Rousseau dita as regras, nem as teorias pedagógicas alternativas gozam de uma influência alargada. Hoje é a insuspeita OCDE que o vem relembrar através de um relatório sobre Portugal no qual desmente a ideia da centralidade do aluno e sustenta que as estratégias pedagógicas aplicadas são demasiado tradicionais.
Relembrando que somos recordistas nas reprovações a nível internacional, ao contrário da ideia de que todos passam, este documento da OCDE critica a cultura dos chumbos por ser “ineficaz” já que não faz os alunos progredir nas suas aprendizagens para além de “custosa”.
A ideia de um ensino sem chumbos parecerá estranha para muitos. Ainda hoje a pergunta sacramental feita por familiares e amigos à criança no fim do ano lectivo é se passou ou não. Fomos criados numa cultura em que o chumbo significaria a punição merecida para o calão que não estudou. E, afinal, a ideia de “passar de ano” dá aos professores uma ilusão de dever cumprido e acaba por ser um pretexto para que muitos pais e alunos se demitam de ter voz activa no processo de aprendizagem. Para além do mais, o aumento do número de passagens torna-se até um falso marcador de sucesso do sistema educativo no conjunto ou de uma escola em particular. De certa forma, se uma aparência dos números de passagens se mantiver, tudo parece bem e podem varrer-se os problemas para debaixo do tapete.
Reduzir a escola a passar ou chumbar é transformá-la numa contabilidade pequenina e acabar com as reprovações parece ser um salto gigantesco que implicaria uma enorme mudança de mentalidades. E no meio de tudo isto não podemos ficar presos da falsa alternativa entre um conservadorismo que ajude a manter ou reforce as exclusões sociais e um racionalismo tecnocrático que apoie as passagens administrativas escondendo nas razões pedagógicas os argumentos económicos contra os chumbos.
Seja como for, o desafio de uma política educativa rigorosa é sobretudo responder aos novos e velhos problemas de aprendizagem a que o saudosismo da escola de antanho, da memorização sem compreensão, do fascismo serôdio e das reguadas não soube responder. Aí falha o ensino da competição a todo o custo, dos rankings, dos quadros de honra, o ensino virado apenas para os resultados nos exames e que despreza a riqueza incalculável da experiência de aprender. Aí estão a falhar aqueles que fizeram carreira a repetir de cátedra os apelos à exigência e que caem agora no facilitismo dos cortes e na miragem de um ensino low-cost. Mas aí é onde não nos podemos dar ao luxo de falhar em nome quer da justiça social quer da melhoria das condições da nossa vida colectiva.

Carlos Carujo

3 comentários:

Anónimo disse...

vv

Maria José Vitorino disse...

Bom texto!
Para leituras cruzadas:
"Para a OCDE é "óbvio" que o aluno não está no centro da aprendizagem porque existem elevados níveis de repetência, acima da média da OCDE. Portugal tem o quarto nível mais alto de repetências, entre os 34 países, de acordo com dados do PISA de 2009, já conhecidos, sobre os resultados dos alunos de 15 anos a língua materna, a matemática e a ciências. Em média, dez em cada 100 alunos repetem um ano, apontam os directores das escolas portuguesas."

E dez por cento é muito!

http://www.publico.pt/Educa%C3%A7%C3%A3o/professores-precisam-de-centrarse-nos-alunos-diz-ocde-1541515

Maria Dias disse...

Muito bem dito! A maioria dos professores, infelizmente, ainda não percebeu que essa «exigência» que tão afanosamente se reclama há de voltar-se contra eles!!! Que não é exigência coisa nenhuma de que se trata nem tão pouco de ensino!