quarta-feira, 4 de março de 2009

Para que raio sei eu isto?


O frio é o que mais perdura na memória daqueles anos. Um frio intenso, que nos perseguia debaixo das pesadas roupas das camas - foi uma festiva libertação a eliminação dos cobertores ‘de papa’ e das mantas de lã, que oprimiram os sonos de toda a minha infância e adolescência! - o frio que deixava placas de gelo nos copos de água que levássemos para o quarto, cobria os vidros com emaranhados desenhos de estranhas folhas de árvores de um mundo fantástico e brilhante, que nos obrigava a levar connosco pequenas escalfetas, que transportavam as brasas que a lareira mantivera durante toda a noite, para uma escola gelada, suja e assustadora.

5x8?
A tabuada do 5 era a mais fácil, mas eu previa que depois vinha a do 8 e a do 9 e com elas as dúvidas, por isso me angustiava já. Eu sabia-as todas, mas o medo engasgava-me e a voz saia num fio, especialmente depois do som daquela reguada na mão da companheira de carteira, que gemia e a escondia debaixo do outro braço, gaguejando a resposta certa que tinha que repetir depois de mim. E o olhar dela era de raiva, contra a professora certamente, mas também contra mim, que corrigia o que ela errava.

Os animais regressavam às lojas, ao mesmo tempo que nós regressávamos a casa e, com eles, as mulheres curvadas sob os molhos de gravetos para acender o fogo e cozer as batatas ou as castanhas, nos potes de ferro de três pés, de todas as casas da vila.

Vou brincar.
Não! Primeiro os deveres!
Outra vez a maldita tabuada e aquelas infindáveis contas de dividir. E os rios, e os afluentes - margem direita: Sabor, Tua, Corgo, Tâmega e Sousa; margem esquerda: Côa, Távora, Varosa, Paiva e Arda. - por que raio tenho eu que decorar isto?
Para que raio sei eu, ainda hoje, isto?

Helena Dias

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