A proposta da Ministra da Educação de acabar com os chumbos parece progressista mas não é. Parece colocar-se no campo dos que defendem o direito ao sucesso de todos os alunos, mas não passa de ilusionismo, confirmando uma das marcas fortes deste governo: aparências, joguetes de comunicação e produção da imagem, um pacote sofisticado que esconde sempre a política do cifrão.
O discurso de Isabel Alçada é mais ou menos este: “é preciso acabar com os chumbos e isso é possível com os meios já existentes nas escolas - aulas de poio e afins – o que falta mesmo é direccionar de forma correcta esses instrumentos”. E apoia-se no exemplo nórdico, ignorando olimpicamente que os meios das escolas nórdicas estão a milhas de distância da realidade das escolas portuguesas. Mais à frente, a ministra lá se descai, repetindo os argumentos da sua antecessora: os chumbos são muito caros e pouparíamos muito dinheiro acabando com eles. De facto, o governo PS está também a milhas de distância de qualquer social democracia nórdica. Está mais interessado em gastar menos dinheiro com a educação do que em investir nela. O PS quer acabar com os chumbos porque isso lhe permitiria poupar muito dinheiro, nos países nórdicos investiu-se muito na Educação para tornar os chumbos desnecessários.
A proposta da Ministra é falsa porque não é amiga do sucesso escolar real. E faz recair toda a responsabilidade sobre as escolas e sobre os professores, insinuando que dispõem de todo os meios para garantir o sucesso escolar de todos os alunos. Mas ela sabe que isso nunca vai acontecer. O seu verdadeiro interesse é poupar dinheiro e melhorar nas estatísticas. Este é um governo de má-fé. Se estivesse de boa-fé não se oporia – ainda por cima de forma patética – à redução do número máximo de alunos por turma, à presença de equipas multidisciplinares nas escolas, ao investimento no ensino especial, e ao reforço de meios humanos e materiais para acompanhar de forma consistente cada aluno em dificuldades. Se estivesse de boa-fé não adiava uma urgente revisão curricular para as calendas gregas. Isso sim, seriam medidas que poderiam abrir caminho para que os chumbos passassem à história. Mas, em vez disso, em vez de tomar medidas concretas, a Ministra prefere atirar barro à parede.
A conclusão é que o “economês” deste PS está por cima do debate ideológico tradicional sobre a escola. Não se trata de defender o direito ao sucesso de todos os alunos contra as visões meritocráticas e elitistas da escola que são apanágio da direita conservadora. Trata-se simplesmente de poupar dinheiro olhando para a escola como uma empresa que produz ou não resultados. De facto, o neoliberalismo deste governo quer mascarar-se de esquerda colocando-se vagamente do lado emancipatório, mas ao deixar tudo na mesma relativamente ao sucesso escolar real dos alunos, está de facto a tomar o lado conservador. No fundo, se passarem todos os alunos mas uns terminarem sabendo muito mais do que outros, fica garantida a estratificação social. A escola desiste de corrigir as desigualdades de partida, deixando que elas se reproduzam e se ampliem. É por isso que o discurso contra os chumbos deste governo, apesar de levantar o histerismo fanático de sectores conservadores que pensam que o chumbo é uma inevitabilidade necessária para distinguir os melhores dos piores, acaba por se colocar no plano dos que defendem a perpetuação dessa diferenciação, tentando apenas escondê-la acabando com a catalogação tradicional do aprovado/reprovado, que sai cara ao sistema.
Finalmente, importa dizer duas coisas. A primeira é que a defesa sincera do fim dos chumbos, ou seja, a ideia de que é possível que praticamente todos os alunos possam atingir competências e conhecimentos essenciais, não é nenhuma utopia romântica. Ela é hoje uma realidade em muitos países e não há como negá-lo. A segunda é que não há como fugir a uma disputa ideológica em cada escola entre os professores que facilmente desistem de certos alunos carimbando-lhes prematuramente o destino porque acreditam numa escola que serve para distinguir em vez de ensinar, e os professores que tentam utilizar todos os escassos meios existentes para melhorar o sucesso escolar de todos os alunos e que compreendem que em certas circunstâncias o chumbo pode ser pior para um aluno, dado que a desmotivação de perder sua turma e de ser catalogado como incapaz pode atirá-lo para o poço do insucesso permanente. Na verdade, o chumbo é a marca mais evidente do falhanço da escola e muitas vezes contribui para ampliar esse falhanço. Mas para acabar totalmente com o chumbo há primeiro que corrigir esse falhanço original da escola, algo que o governo nunca se mostrou honestamente interessado em fazer.
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