segunda-feira, 11 de julho de 2011

Sobre a crítica do eduquês e o programa da direita

A direita adubou os cortes da “troika” com um programa radical de mudança do sistema de ensino. O passado é para apagar, através da “substituição da facilidade pelo esforço, do laxismo pelo trabalho, do dirigismo pedagógico pelo rigor científico, da indisciplina pela disciplina, do centralismo pela autonomia”(1) . A “luz” da direita vê mais longe do que a cegueira dos cortes(2), com um pacote completo que, desde a municipalização até da gestão das escolas aos exames no fim de todos os ciclos de ensino, não deixará nada de pé(3).
O programa da coligação tem hoje um ministro que escreveu o seu programa: O Eduquês em discurso directo…. Professores e professoras soçobraram aos encantos do discurso, a esquerda não esteve à altura da resposta que se exigia, mas não terá alternativa. A obra assenta:

1. na culpa de Rousseau: com a denuncia da “ideologia dominante”, banhada pelo romantismo e pelo construtivismo, partindo de uma abordagem cognitivista, e ignorando que durante décadas a escola foi banhada pelos objectivos de Bloom;

2. na culpa das ciências da educação: responsabilizadas pelo laxismo triunfante, pela propagação através de programas, investigadores e decisores políticos, do “eduquês”, pelo triunfo do “ensino centrado no aluno” e pela desvalorização dos currículos, para o qual a verdadeira resposta são os exames, de alunos e professores. “Não se pode avaliar professores sem avaliação externa aos alunos” (Nuno Crato, 15.4.2008), convém não esquecer.

3. na prova dos 9: refazer uma política de selecção através dos exames: “os exames podem ser orientadores de percursos escolares, levando, por exemplo, a encaminhar estudantes com dificuldades para vias alternativas, com o mesmo ou com outro término escolar” (p.48). Como os exames já existem, reconhecendo o autor, aliás, que PSD os instalou e PS os preservou, impõe-se saber: qual é o peso que os exames terão na avaliação final de alunos de 6.º e 9.º anos? E qual é o peso que os resultados dos exames terão na avaliação dos professores?

Sobre a obsessão dos exames: É certo que, no quadro europeu, os exames se expandiram a partir da década de 90. Segundo dados de 2008-2009 (4), realizam-se na maior parte dos países no fim do CITE 2 (9.º ano) o que, na maioria, também corresponde ao fim da escolaridade obrigatória. Na última década, centram-se na avaliação de competências, pelo que será curioso testar a resistência do ministro a esta hegemonia. Das 36 realidades aferidas, 11 não têm exames obrigatórios, podendo ou não haver exames por amostragem. Mas o que está longe de ser regra é a realização de 3 exames obrigatórios nos 9 ou 10 anos de escolaridade iniciais. Por outro, na maioria dos países, os exames equivalentes ao 9.º ano não têm impacte na definição do percurso escolar dos alunos; das 36 realidades apontadas, 12 reconhecem estes exames para fins de atribuição de diplomas e, em conformidade, como é já o caso de Portugal, articulam a classificação do exame com a avaliação contínua. Excepção feita a Malta, onde os exames determinam que os alunos se agrupam, no 5.º e 6.º anos, segundo as capacidades, ou à Polónia, onde maus resultados nos exames de 9.º podem empurrar os alunos para a realização de ensino profissional de curta duração, os exames não estão, na Europa, ao serviço do eugenismo social e cultural.

Sobre a retórica “eduquesa”: supor que ela formatou as práticas e foi, com elas, responsável pelos fracassos, é desconhecer a realidade das escolas: o ensino não está “centrado no aluno”, nem condições, nem recursos, nem vontade; os currículos não foram desvalorizados, pelo contrário, são omnipotentes através dos manuais escolares; e se as competências foram, de facto, a moda dos anos 90, importada do mundo empresarial com as nuvens difusoras que arrastaram, os testes continuam a exigir aos alunos e alunas: “define hominização…”

Confundir o aterro burocrático em que as escolas estão mergulhadas – e ignorar que ele serve a normalização, a obediência, a anestesia de todas as autonomias – ou confundir a avaliação dos alunos - feita em folhas de Excel, que fariam salivar de inveja os cães de Pavlov - com o triunfo de uma ideologia romântica e construtivista, cuja linguagem seria o “eduquês”, é uma distorção oportunista e parasita das formas de poder instaladas. E é-o porque a chave do novo poder está à mão: selecção dos alunos no 4.º ano, ou no final do 2.º ciclo ou do 3.º e, o tempo dirá, integração das classificações destas provas na avaliação dos professores. Isto basta para percebermos que os tempos não estão para indecisões, em nome da escola pública e do seu pacto com a democracia, em nome das crianças e dos jovens deste país.

Cecília Honório

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1Programa do XIX Governo Constitucional, p. 109.

2A “troika” impõe para a educação, nos próximos dois anos, um corte de, pelo menos, 375 milhões de euros – através, sobretudo, da “criação de agrupamentos de escolas”e da “redução das necessidades de pessoal”.

3Generalização da avaliação nacional: provas para o 4.º ano; provas finais de ciclo no 6.º e 9.º anos, com um peso na avaliação final; exames nacionais no 11.º e 12.º ano (p. 111).

4Exames nacionais dos alunos na Europa: objectivos, organização e utilização de resultados, Eurydice 2010.


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