Qual é a substância da bazófia de Sócrates sobre o atraso nacional da avaliação de professores e do êxtase perante a modernidade europeia? A Europa onde os resultados dos alunos não servem directamente para avaliar @s professores? A Europa onde a avaliação d@s professores cabe no quadro da avaliação global do sistema, dos políticos e das políticas, dos recursos e das administrações, das escolas e dos professores? Ou a Europa da multiplicidade de modelos e entidades envolvidas (inspectores, comités especiais de representação externa ou mista, conselhos de administração de centros educativos, sindicatos, consoante os países)? Será a Europa onde a avaliação dos “centros escolares” pode estar a cargo de um provedor da educação, como na República Checa ou na Finlândia, numa agência nacional de avaliação, como na Suécia, ou em soluções mistas, caso da França, onde sindicatos e inspecção pedagógica têm papel determinante?
Não. A Europa de Sócrates é a das coutadas. Centrada no umbigo das escolas, a avaliação de desempenho serve, por cá, para avaliar directamente @s professores.
Onde fica o rigor de Sócrates?
Quaisquer análises de pormenor sobre o modelo de avaliação de professores em Portugal deixaram de ter qualquer seriedade a partir do concurso que fraccionou a carreira em duas, e pela mais simples das razões: os avaliadores não o são por serem melhores, nem mais qualificados, nem por terem mais habilitações académicas, nem melhores classificações profissionais do que os seus avaliados.
Podiam não ser melhores mas, ao menos, podia o ME apostar na sua formação. (feita a porcaria, vamos lá formar esta malta para avaliar os seus pares). Mas isto é assunto tabu.
Esta é a perversão de origem do sistema e a razão pela qual avaliadores e avaliados, quando gente séria, vivem momentos de total angústia. Não havendo qualquer exterioridade no sistema, excepto para os coordenadores de departamento, a coisa não passará de umas fichas e um monte de rotinas burocráticas, feitas entre pares, cujas amizades ou inimizades se traduzirão nos resultados finais.
Para onde vai o insucesso?
Os resultados escolares são, na maioria dos países europeus, indicadores de avaliação do sistema e não dos professores. Mas para o governo de Sócrates são elementos de avaliação directa de professores e o insucesso, que podia e devia ser levado a sério, tornou-se higienicamente ameaçador.
Quantos e quantas não começaram o ano com atmosferas criadas por conselhos executivos, que já se esqueceram que foram eleitos, a cultivar o medo do insucesso, a ameaça das consequências para a carreira?
Imagine-se, no entanto, que o ME entenda que a educação se reduz a produtos e que as classificações sejam os “produtos”. Mesmo assim, nem ao diabo lembra que @s professores sejam individualmente responsabilizados por realidades que os ultrapassam mas que o resultado final do seu trabalho esteja dependente da avaliação de realidades que também os ultrapassam.
Exemplos do insólito: como é que a avaliação individual de um professor pode estar refém do abandono escolar? Onde é que está inequivocamente salvaguardada a avaliação de resultados em contexto? Que culpa é que os professores de Biologia ou de História, por exemplo, têm que os exames nacionais tenham critérios tortuosos, arrastando altíssimas taxas de insucesso nas disciplinas? E para quê fazer registos da evolução, aluno a aluno, quando as quotas da excelência são determinadas pelo Ministério e pela avaliação externa das escolas?
As quotas, essa coisa de que ninguém poderá reclamar, serão determinadas pela avaliação externa das escolas e pelo ME. Ora, não só no quadro actual é muito difícil que a avaliação externa das escolas esteja pronta em 2009, como o funil já não precisa da qualidade d@s avaliad@s para nada. E que culpa tem @ desgraçad@, que já foi responsabilizado pelo abandono escolar, pelo insucesso, por ter muitas turmas, por trabalhar em contextos desfavorecidos, pelo atraso da pátria e pela acidez da Ministra, que não haja uma quotazinha para o seu excelente desempenho?
A avaliação do sistema, incluindo professores, é coisa séria e devia ser rigorosa e transparente. Mas nada disto é sério, tudo isto é apenas o que é:
- o triunfo da subjectividade, porque o que @ professor escolhe, ao classificar, é o seu insucesso ou o seu sucesso;
- e tanto maior o arbítrio quanto menos se toca nas condições objectivas: programas, carga horária, formação de professores, condições nas escolas…;
- mas poupa-se dinheiro, sobrepondo funis na carreira;
- e, sobretudo, cria-se um dominó de dependências e hierarquias em que o Estado pode fazer cada vez menos, porque fica com a cadeia de sargentos mais oleada.
Texto de Cecília Honório
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
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2 comentários:
Bom texto, Cecília.
Uma achega: com tanto torvelinho, aproveita-se e aumenta a confusão, desanimando qualquer reflexão séria sobre o essencial - avaliar o sistema, assegurar serviços públicos de qualidade e garantir o acesso à educação ao longo da vida, a cada cidadão. Coisas da Constituição. Por enquanto.
Mar as coisas não estão a ser tão fáceis como pareciam. BLoguemos, pois, e mobilizemos onde pudermos
A propósito da propositada incoerencia Só(cretina) de promover a dúvida em nome da certeza. Já ninguem acredita na verdade que a ministra apregoa ao insistir na mentira de que a avaliação está em normal decorrencia.
É neste limbo da confusão que o ministério se enlameia. Em desespero de causa já vale tudo, mesmo que tudo seja adulterado em benefício da causa. Os executivos zelosos continuam o processo, os temerosos titubeiam nos meandros da indefinição e os determinados emperram o sistema. É este o rigor e a convicção caprichosa apregoada pela ministra, que já está a prazo. A razão precisa de força para derrubar um poder sem razão. Não basta apagar os ministros é preciso varrer as pérfidas politicas educativas
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