terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A pílula do sucesso escolar

O conceito é utilizado, como tantos outros, como se fosse absolutamente evidente, como se não tivesse um contexto. Só que, obviamente, o insucesso escolar tem uma história. Não tendo existido desde sempre, tornou-se problema. E o problema vai sendo “medicalizado”.

Nas escolas há cada vez mais alunos medicamentados ou “psicologizados” devido à sua “performance" escolar. E, claro, cada vez mais professores na mesma situação. Ao fracasso escolar dos alunos parece corresponder a desmotivação e o sentimento de fracasso dos professores, uma lose/lose situation.

Para além das práticas e a par delas, o discurso “medicalizado” dos fenómenos escolares torna-se também hegemónico face a retóricas anteriores sobre a responsabilidade social (a escola como mecanismo reprodutor do sistema económico, por exemplo, ou o efeito de uma sociedade que vende a facilidade), responsabilidade individual (da parte do mau professor, do aluno preguiçoso ou dos pais displicentes), ou a responsabilidade institucional no insucesso escolar (neste último ponto de vista seria a instituição “escola” e/ou a sua crise que provocaria tal insucesso).

Medicalização e psicologização não são exclusivos da escola mas ao pensá-la hoje deve-se também pensar nestes dispositivos. Os doutores “Phil wannabe” enchem os ecrãs de programas de entretenimento e os telejornais com verdades fáceis e autorizadas pelo seu diploma. Receitas para o sucesso na vida.

Com os termos medicalização e psicologização não se quer dizer que não haja problemas de saúde física ou mental nos espaços escolares, antes pelo contrário. Os termos referem-se a dispositivos que ocupam um campo de poder no interior da escola com os seus devidos efeitos. Quer-se dizer que se impõe uma definição normativa de saúde em que parece que toda a diferença será medicada ou terá de cair nos consultórios de Psicologia. E, claro, cada vez mais pais na mesma situação. Ao fracasso escolar dos alunos parece corresponder o cansaço e a frustração dos pais. Também medicamentados, psicologizados ou então apanhados nas redes das ideologias culpabilizantes do chamado “pensamento positivo”.

A performance escolar é a escola da competição. E se nos primeiros graus de ensino se trata da intervenção do adulto para normalizar uma criança que tem um “rendimento” abaixo do esperado, no final do ensino secundário e do ensino superior trata-se da auto-medicação para ir mais longe na memória e na concentração, para diminuir a ansiedade dos exames, para ter mais uma décima na pauta.

A pílula do sucesso é o santo graal da escola competitiva.

Reflexão motivada por um enquadramento teórico de parte desta questão e uma forma de lhe responder encontrada no artigo de Paula González-Vallinas e de Juan Gérvas Camacho na página do Rebelión. Ler (em castelhano) aqui.

Carlos Carujo, Rio Maior

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