segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Planos de recuperação: omolete sem ovos


O ministério prepara alterações ao Estatuto do Aluno. Uma das questões mais comentadas pelos profissionais é a dos testes de recuperação, obrigatórios para os alunos que excedam o limite de faltas. Os professores serão obrigados a realizar para cada aluno um teste com as matérias a que faltou. Multiplique-se cada turma por 10 alunos que em média podem incorrer na situação descrita, multiplique-se cada um destes alunos por 13 disciplinas.
Mas se o aluno voltar a faltar a seguir, repetir-se-á a dose.
Os testes seriam teoricamente feitos nas próprias aulas: imagine-se ter de parar as aulas cada vez que há um aluno que excede o limite de faltas…

Mas este é o padrão das pseudo-,medidas de recuperação para travar o insucesso e abandono escolar. A equipa de Maria Lurdes Rodrigues superou-se nesta estratégia burocrática.

Ao mesmo tempo que estes testes extraordinários e sistemáticos vão encalhando contra a realidade, convirá que nos interroguemos sobre o sentido de tudo isto. Porque o governo de Sócrates se especializou, e na educação em particular, na manipulação das aparências. O que se pretende é pura e simplesmente parecer que se está a atacar os graves problemas, com o lançamento constante de normas legais para as escolas, isto é, para cima dos professores.

Tal estratégia visa diminuir a autonomia dos professores. Mais grave do que isso: pretende-se enredá-los sempre mais na teia, paralisando-os através do desperdício de energias e da consequente frustração. Porque ao descarregar sobre eles os graves problemas que estão por detrás de um número impressionante de alunos que faltam sistemática ou frequentemente às aulas, sabendo que eles não podem resolver esses problemas, o governo empurra-os para a impotência.( Neste ponto referimo-nos especialmente aos alunos que faltam por razões alheias a doenças comprovadas, pois neste caso o que é preciso é simplesmente cuidados médicos).

E não vale a pena fazer demagogia ou passar a culpa para os alunos e as suas famílias. A maior parte dos alunos "grandes-faltosos" carece de condições mínimas que geralmente são ignoradas. Há quem falte gravemente à escola porque não tem livros ou material. Ou passe fome. Há quem se sinta completamente desmotivado e arrastado para um beco sem saída. Quem não tem em casa quem saiba ou o possa ajudar. Há quem viva com avós ou outros familiares porque os pais não existem, de facto ou na prática. Há quem, aos 12 e 13 anos, se sinta só e abandonado. Quem sinta na pele o desemprego dos pais. Há quem não tenha papéis de legalização, no caso de filhos de imigrantes. Há quem atravesse crises no fio da navalha na adolescência, num ambiente social degradado.

E qual o papel dos planos de recuperação? Geralmente nenhum. Não passam de papéis e mais papéis. Porque as escolas públicas não têm pessoal com condições para ir saber o que se passa. Técnicos de apoio capazes de agarrar os problemas e trabalhar a sério para encontrar soluções. Práticas agilizadas de promover apoio imediato, a nível de apoio social, psicológico ou de ensino especial.

Ou seja, os nomes dos planos até podem tocar nas feridas do sistema. O problema é que o governo não quer curá-las. Aparentemente dá-lhe mais resultado fazer acreditar que quem está a falhar são os profissionais. O governo aposta no ataque e na pseudo-exigência aos trabalhadores, quando o que falta é a sociedade, e os professores e sindicatos em primeiro lugar, exigirem ao governo (!) meios e recursos humanos em qualidade e quantidade proporcionais à crise gravíssima que afecta perigosamente esses alunos.

Dizer que esses alunos estão a beneficiar com a infração, ou que o ministério os está a premiar, demonstra que não se está a perceber o essencial do que se passa, para além de ser geralmente falso: nunca esses alunos grandes-faltosos por razões não esclarecidas passarão de ano!

Importa por isso exigir meios e apoios imediatos, humanos e sociais, eficazes, para os resgatar do buraco em que estão metidos e que mina toda a sociedade.

Jaime Pinho

Sobre este assunto lê também o post de Helena Dias no blogue “Inverno em Lisboa”.

Lê também a notícia do DN: 16 mil alunos fora da Educação Especial

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