É verdade que o assunto dos manuais escolares tem sido muito debatido nos últimos dias, está quase tudo dito, mas ainda assim não a indignação não diminuiu com a frequência das notícias, pelo contrário. O aumento de 4,5% dos preços dos manuais causa incómodo, e é estranho num tempo de crise económica, quando se exigia maior contenção. Não é compreensível que o sector privado use muitas vezes a responsabilidade social como bandeira e depois venha aproveitar-se deste modo das famílias, sabendo que os livros escolares são um bem de que os estudantes não podem hoje prescindir. Se isto carecia de um parecer do governo, creio que fizeram mal em o autorizar. Argumentam as editoras que há anos que não sobem os preços de acordo com a inflação, e até pode ser verdade, mas continua a não ser compreensível porque o fazem agora. Mas não é só esse aspecto que denuncia a falta de coerência num tipo de mercado que devia constituir um exemplo, pautando-se por algo mais do que o mero lucro. De facto, por exemplo, no 8º ano de escolaridade, chega a haver quatro manuais para cada disciplina, dois de consulta e leitura e dois de cadernos de exercícios. Na maior parte das disciplinas há agora dois manuais: parte I e parte II, o que aumenta os custos em termos de preço de capa. Será isto necessário? Num mundo em que a Internet é já um recurso comum e em que se motivaram os estudantes para adquirir portáteis, para que servem estes afinal? Como é que eles não constituem um recurso para a aprendizagem permitindo poupar a muitos níveis, dos quais o ambiental não é de desprezar? Como é que sistematicamente se tem aumentado a lista de manuais a adquirir pelos alunos?
Não estou, portanto, com aqueles que reclamam manuais gratuitos para todos, nem sequer no Ensino Básico. Isso não só seria óptimo para as editoras, garantindo à partida o negócio com o próprio Estado, como incentivaria a mais e mais manuais, a mais e mais desperdício. Além disso, há famílias que têm orçamento suficiente para pagar os manuais, porque é que o Estado (ou seja, todos nós) tem que pagar por elas? O que precisamos é de sistemas de acção social e comparticipação eficazes. E não sou contra alguns incentivos, como por exemplo, o das autarquias que decidem oferecer um cheque de 20 euros por aluno. Mas isso não é pagar tudo, é dar um apoio à Educação, é investir aí dinheiro que um dia calhar vai render mais dos que nuns quilómetros a mais de estrada. A gratuitidade total não é responsabilizante, ela só se adequa a contextos de extrema pobreza, e mesmo nesses casos, se o for de forma prolongada é susceptível de criar dependências irreversíveis.
Quanto à palavra desperdício, ela pode parecer radical. Mas que outra palavra usar para referir a quantidade de manuais que todos os anos são desaproveitados, que ficam nas casas dos miúdos ou que são deitados para o lixo (pelo menos espera-se que no contentor certo). Os países mais ricos e desenvolvidos do mundo têm processos de trocas de manuais de forma sistemática, enquanto aqui os casos em que isso acontece são notícia, o que revela o quanto ainda é uma medida pouco habitual. E, erradamente, aqui, isso é visto como um sistema para os mais carenciados, em vez de ser encarada como uma questão básica de cidadania. Falei no assunto aos adolescentes da família que reagiram como esperava: é tão bom ter livros novos! Ou seja rejeitaram liminarmente a ideia da troca de livros, ou melhor, acharam que era uma medida aceitável e útil apenas para aqueles que não tinham recursos. Um dos argumentos também usados tinha a ver com o uso dos livros dos anos anteriores como material de consulta, mas a verdade é que raramente os vão buscar, uma vez usados são esquecidos. Só vacilaram perante os motivos ambientais, porque a poupança dos recursos da família não parece motivá-los, criados que foram na cultura do consumo, basta que os pais estejam ambos empregados para eles acharem que não são necessitados. Tudo o que possamos fazer para inverter esta tendência é bom, desde que não seja extremado, tão fora de tempo que não seja aplicável, porque ninguém aceitaria voltar ao tempo do papiro ou da ardósia.
Não seria assim tão difícil instituir em cada agrupamento de escolas um processo sistemático de troca de livros. Todos deveriam ser obrigados a conservar os manuais e a entregá-los o melhor possível no final de cada ano, e as escolas apenas substituíram os mais danificados. Mas podia personalizar-se ainda mais esta troca, em vez de se receber um manual “impessoal”, podia vir com uma mensagem do proprietário anterior ou mesmo uma foto. Poderia fazer-se na contracapa uma lista dos proprietários e das turmas a que pertenceram. Se isto tiver minimamente um carácter lúdico, a par de uma boa mensagem de civismo, implementa-se com o tempo. E é verdade que tenho visto em muitas escolas boas tentativas, parece faltar é a coragem para avançar mais, até porque os professores não conseguirão fazer isto se não tiverem o apoio dos pais.
Creio que um livro pode durar bem três anos, muito bem cuidadinho talvez uns cinco (se os programas se mantiverem….). Se se considerasse muito complicado adoptar logo um esquema de obrigatoriedade, poderia começar-se por modelos mais flexíveis, do tipo “ entregou 3 manuais, tem direito a 3”. E isto não é uma cruzada contra as editoras, pelo contrário, elas também poderiam investir em esquemas de troca, dando por exemplo um determinado valor por um livro usado na compra de um novo. Poderiam reinventar-se na base de novos valores, não deixando provavelmente com isso de ter lucro, talvez tivessem só um pouco menos.
Lembro-me de ficar com os cadernos da minha irmã mais velha e de muito antes dos grafismos terem estado na moda, ter treinado caligrafia passando a caneta tudo o que ela tinha escrito a lápis. Foram dela os meus primeiros cadernos e nunca mais os esqueci, apesar de serem usados. Por isso consigo imaginar um miúdo a passar por outro e a dizer-lhe: fui eu que fiquei com o teu livro de Matemática!
Artigo de Carla Cíbele, em escola.info
Não estou, portanto, com aqueles que reclamam manuais gratuitos para todos, nem sequer no Ensino Básico. Isso não só seria óptimo para as editoras, garantindo à partida o negócio com o próprio Estado, como incentivaria a mais e mais manuais, a mais e mais desperdício. Além disso, há famílias que têm orçamento suficiente para pagar os manuais, porque é que o Estado (ou seja, todos nós) tem que pagar por elas? O que precisamos é de sistemas de acção social e comparticipação eficazes. E não sou contra alguns incentivos, como por exemplo, o das autarquias que decidem oferecer um cheque de 20 euros por aluno. Mas isso não é pagar tudo, é dar um apoio à Educação, é investir aí dinheiro que um dia calhar vai render mais dos que nuns quilómetros a mais de estrada. A gratuitidade total não é responsabilizante, ela só se adequa a contextos de extrema pobreza, e mesmo nesses casos, se o for de forma prolongada é susceptível de criar dependências irreversíveis.
Quanto à palavra desperdício, ela pode parecer radical. Mas que outra palavra usar para referir a quantidade de manuais que todos os anos são desaproveitados, que ficam nas casas dos miúdos ou que são deitados para o lixo (pelo menos espera-se que no contentor certo). Os países mais ricos e desenvolvidos do mundo têm processos de trocas de manuais de forma sistemática, enquanto aqui os casos em que isso acontece são notícia, o que revela o quanto ainda é uma medida pouco habitual. E, erradamente, aqui, isso é visto como um sistema para os mais carenciados, em vez de ser encarada como uma questão básica de cidadania. Falei no assunto aos adolescentes da família que reagiram como esperava: é tão bom ter livros novos! Ou seja rejeitaram liminarmente a ideia da troca de livros, ou melhor, acharam que era uma medida aceitável e útil apenas para aqueles que não tinham recursos. Um dos argumentos também usados tinha a ver com o uso dos livros dos anos anteriores como material de consulta, mas a verdade é que raramente os vão buscar, uma vez usados são esquecidos. Só vacilaram perante os motivos ambientais, porque a poupança dos recursos da família não parece motivá-los, criados que foram na cultura do consumo, basta que os pais estejam ambos empregados para eles acharem que não são necessitados. Tudo o que possamos fazer para inverter esta tendência é bom, desde que não seja extremado, tão fora de tempo que não seja aplicável, porque ninguém aceitaria voltar ao tempo do papiro ou da ardósia.
Não seria assim tão difícil instituir em cada agrupamento de escolas um processo sistemático de troca de livros. Todos deveriam ser obrigados a conservar os manuais e a entregá-los o melhor possível no final de cada ano, e as escolas apenas substituíram os mais danificados. Mas podia personalizar-se ainda mais esta troca, em vez de se receber um manual “impessoal”, podia vir com uma mensagem do proprietário anterior ou mesmo uma foto. Poderia fazer-se na contracapa uma lista dos proprietários e das turmas a que pertenceram. Se isto tiver minimamente um carácter lúdico, a par de uma boa mensagem de civismo, implementa-se com o tempo. E é verdade que tenho visto em muitas escolas boas tentativas, parece faltar é a coragem para avançar mais, até porque os professores não conseguirão fazer isto se não tiverem o apoio dos pais.
Creio que um livro pode durar bem três anos, muito bem cuidadinho talvez uns cinco (se os programas se mantiverem….). Se se considerasse muito complicado adoptar logo um esquema de obrigatoriedade, poderia começar-se por modelos mais flexíveis, do tipo “ entregou 3 manuais, tem direito a 3”. E isto não é uma cruzada contra as editoras, pelo contrário, elas também poderiam investir em esquemas de troca, dando por exemplo um determinado valor por um livro usado na compra de um novo. Poderiam reinventar-se na base de novos valores, não deixando provavelmente com isso de ter lucro, talvez tivessem só um pouco menos.
Lembro-me de ficar com os cadernos da minha irmã mais velha e de muito antes dos grafismos terem estado na moda, ter treinado caligrafia passando a caneta tudo o que ela tinha escrito a lápis. Foram dela os meus primeiros cadernos e nunca mais os esqueci, apesar de serem usados. Por isso consigo imaginar um miúdo a passar por outro e a dizer-lhe: fui eu que fiquei com o teu livro de Matemática!
Artigo de Carla Cíbele, em escola.info
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