quinta-feira, 8 de abril de 2010

A violência na escola e a cruzada da direita


Afinal, parece que as ocorrências de agressão em contexto escolar - a professores, funcionários, alunos - diminuíram: à volta de 1.000 e longe das 1.656 registadas em 2007-2008. Os números poderão esconder ainda o medo, o silêncio cúmplice ou a indiferença, mas não deixam de ser uma chapada no frenesim autoritário que tem tomado conta do discurso sobre a escola, e que só serve a direita.

O medo de retaliação de uma criança agredida por outra, o medo de um professor de ver o carro riscado, o silêncio de um professor ou professora, vítima de violência psicológica por outro/s professor/es, ou perante a agressão, física ou psicológica de um aluno a outro, que viu ou ouviu e fez de conta que não viu nem ouviu, a indiferença de quem devia ter punido e achou que a coisa passava. Tudo isto é intolerável. É contra o medo e o silêncio que se exige o máximo às escolas, que só podem ser espaços contra a violência, com tolerância zero à indiferença e à cumplicidade. É punição e identificação clara dos agressores, sejam eles quem forem, porque a comunidade deve saber o que fizeram.

Mas estas exigências são o contrário da verborreia autoritária, e a escola pública não pode ser indiferente nem cúmplice perante a cavalgada da paranóia securitária e do policiamento do CDS, que acha que a "indisciplina" é coisa de pobres - quando os estudos dizem que não tem classe social.

É certo que a hiperbolização da violência nas escolas é cíclica, mas a deriva autoritária está, hoje, perto do paroxismo. Dizem eles que o problema está no défice de autoridades dos professores. É verdade que os governos os têm desrespeitado profundamente mas este é o mais covarde dos argumentos, e o mais útil para a direita:

- porque o Código Penal já assume que a agressão a um professor é crime qualificado com punição agravada;

- porque é o argumento que não reconhece que a relação entre professores e alunos é uma relação desigual a favor dos primeiros, e, ao invés, naturaliza que em cada aluno há um delinquente, real ou em potência;

- porque é o argumento que desiste de tudo o que falta fazer, e que já podia ter sido feito se os governos apostassem seriamente na escola pública: uma escola onde os adultos devem ter formação para a gestão de conflitos, onde os jovens mais problemáticos não podem ser encaixotados em turmas de enjeitados e carimbados como tal, onde os auxiliares não podem ser escassos, mal pagos e pouco valorizados, onde técnicos e equipas multidisciplinares urgem para reforçar o acompanhamento dos jovens e mediar nas relações com as famílias.

Parece que está ainda sobre a mesa a concessão aos professores do estatuto de autoridade pública, qualidade atribuída a polícias e juízes, profissionais que, pelas suas funções, estão mais expostos e carecem de protecção acrescida. Razão para perguntar: os professores correm os mesmos riscos que os polícias ou devem ser uma espécie de polícias? Evoca-se, neste quadro, a presunção de verdade. Razão para perguntar: e se algum destes acólitos da autoridade tiver de lidar em casa ou na família com uma criança que se diz maltratada ou ofendida por um professor vai presumir que a verdade absoluta está do lado do professor?

Os professores têm autoridade, se a exercem com as condições de dignidade exigíveis é a discussão séria a fazer. Mas a histeria autoritária só serve a direita que quer roer as fundações da escola pública. A não ser que alguém espere que a violência nas escolas termine no dia em que Paulo Portas defender a licença de porte de armas para os professores.

Cecília Honório

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