Na minha escola – lá dentro! – há alunos que andam armados; há mães que vêm à escola armadas; há pais que vêm à escola armados; há polícias, armados, que fazem rusgas.
Eu não ando armada. Nem dentro, nem fora da escola.
Na minha escola, há pancadaria todos os dias. Às vezes, nas salas de aula; às vezes no recreio; às vezes ao portão. Às vezes, é tão violenta que os funcionários e professores não lhe conseguem pôr cobro e tem de vir a polícia.
Na minha escola, há alunos que chamam familiares e amigos do bairro para ajustes de contas com colegas/vizinhos. Nessas alturas, lá vêm outra vez os polícias.
Na minha escola, há roubos, ameaças violentas e agressões físicas brutais. Entretanto, há aulas.
Na minha escola, há alunos, professores e funcionários que são vítimas destas violências. Alguns alunos pensam que se conseguem defender com armas.
As crianças e jovens da minha escola já não vivem em barracas. No tempo do presidente João Soares, a Câmara Municipal acabou com as barracas em Lisboa. Agora, vivem em bairros sociais, caixotes de elevadores há muito avariados e onde, segundo os mais novos, não se pode brincar na rua porque há o perigo de apanhar um tiro (o que por acaso é verdade, que tenho um aluno que apanhou com uma bala perdida). Em casa, têm desemprego e alcoolismo. Droga, também. São mães aos 15 e avós aos 30.
Para encontrar outro mundo é preciso sair do bairro. Mas a sua vida não é fora do bairro. O lar é no bairro. A escola é no bairro. Os negócios são no bairro. De vez em quando, lá vem a polícia e leva uns tantos. Mas depois voltam. São muito novos. E assim se vão fazendo fortes. Para não soçobrar diante da mãe que leva um murro do pai; da fome com que se deitam; da miséria a que, por ignorância, chamam vida. Tornam-se sobreviventes. A muitos, só resta aterrorizar para não viver em terror.
Mas o que eu quero mesmo é continuar a acreditar que, se as turmas tivesses metade dos alunos, até ao que tem a vida mais difícil eu conseguia dar um pouco de esperança; não quero ficar aliviada quando os da vida mais difícil abandonam a escola e deixam de causar problemas.
O que eu quero mesmo é continuar a acreditar na solidariedade e justiça social; não quero ser tentada a pensar ser culpa do rendimento mínimo a disponibilidade excessiva das famílias desordeiras que invadem a escola.
O que eu quero mesmo é continuar a acreditar que é possível fazer realojamentos com respeito pelas pessoas; não quero fingir acreditar que os problemas se resolvem desde que os ciganos, os PALOPS de 2ª e 3ª gerações e todos os mais pobres, sejam mantidos à distância, lá bem longe, onde não se cruzem com o resto de Lisboa.
A minha escola já não é minha. Aquela que sonho, em que acredito, que quero, não é esta.
E vou continuar a ir desarmada para a escola.
Isabel L. (prof. da EB 2.3 D. José I, em Lisboa)
Eu não ando armada. Nem dentro, nem fora da escola.
Na minha escola, há pancadaria todos os dias. Às vezes, nas salas de aula; às vezes no recreio; às vezes ao portão. Às vezes, é tão violenta que os funcionários e professores não lhe conseguem pôr cobro e tem de vir a polícia.
Na minha escola, há alunos que chamam familiares e amigos do bairro para ajustes de contas com colegas/vizinhos. Nessas alturas, lá vêm outra vez os polícias.
Na minha escola, há roubos, ameaças violentas e agressões físicas brutais. Entretanto, há aulas.
Na minha escola, há alunos, professores e funcionários que são vítimas destas violências. Alguns alunos pensam que se conseguem defender com armas.
As crianças e jovens da minha escola já não vivem em barracas. No tempo do presidente João Soares, a Câmara Municipal acabou com as barracas em Lisboa. Agora, vivem em bairros sociais, caixotes de elevadores há muito avariados e onde, segundo os mais novos, não se pode brincar na rua porque há o perigo de apanhar um tiro (o que por acaso é verdade, que tenho um aluno que apanhou com uma bala perdida). Em casa, têm desemprego e alcoolismo. Droga, também. São mães aos 15 e avós aos 30.
Para encontrar outro mundo é preciso sair do bairro. Mas a sua vida não é fora do bairro. O lar é no bairro. A escola é no bairro. Os negócios são no bairro. De vez em quando, lá vem a polícia e leva uns tantos. Mas depois voltam. São muito novos. E assim se vão fazendo fortes. Para não soçobrar diante da mãe que leva um murro do pai; da fome com que se deitam; da miséria a que, por ignorância, chamam vida. Tornam-se sobreviventes. A muitos, só resta aterrorizar para não viver em terror.
Mas o que eu quero mesmo é continuar a acreditar que, se as turmas tivesses metade dos alunos, até ao que tem a vida mais difícil eu conseguia dar um pouco de esperança; não quero ficar aliviada quando os da vida mais difícil abandonam a escola e deixam de causar problemas.
O que eu quero mesmo é continuar a acreditar na solidariedade e justiça social; não quero ser tentada a pensar ser culpa do rendimento mínimo a disponibilidade excessiva das famílias desordeiras que invadem a escola.
O que eu quero mesmo é continuar a acreditar que é possível fazer realojamentos com respeito pelas pessoas; não quero fingir acreditar que os problemas se resolvem desde que os ciganos, os PALOPS de 2ª e 3ª gerações e todos os mais pobres, sejam mantidos à distância, lá bem longe, onde não se cruzem com o resto de Lisboa.
A minha escola já não é minha. Aquela que sonho, em que acredito, que quero, não é esta.
E vou continuar a ir desarmada para a escola.
Isabel L. (prof. da EB 2.3 D. José I, em Lisboa)
3 comentários:
Fantástico, Isabel! Bem (re)vinda aos "mepianos", fazes falta...
Um abraço
fq
O que eu quero mesmo é o mesmo que tu.
Obrigada por o teres dito.
Muito interessante. Gostei muito de ler. Bem vinda.
Silvana
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