segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Mais um alerta contra a burocratização docente


E por fim há um outro paradoxo entre a retórica do professor reflexivo e, ao mesmo tempo, a inexistência de condições de trabalho concretas – desde condições de tempo, a matéria-prima mais importante da reflexão – e desenvolvimento profissional que possam, de facto, alimentar a idéia do professor reflexivo. São paradoxos que precisamos saber ultrapassar e, para isso, é importante a mobilização, o combate coletivo dos professores.
(...)

Hoje em dia há dois conceitos sociológicos. Um que fala de um processo de proletarização dos professores que está diretamente ligado à intensificação do trabalho docente, isto é, um trabalho que é cada vez mais pautado por inúmeros afazeres, inúmeros relatórios, inúmeras coisas. E isso dificulta muito o trabalho dos professores. Eu acho que isso é verdade. Mas sendo verdade, o contrário também é verdade. Os professores não podem viver numa lógica isolada, fechados na sua sala de aula, sem prestarem contas a ninguém, sem ter uma parte dessa reflexão mais colectiva.

Cito um exemplo. Quando começou a haver cursos de formação contínua em Portugal, os professores sentiram esses cursos como mais uma exigência para seu trabalho. Achavam que eles não lhes traziam nada. Havia imensa relutância em ir a esses cursos. Ao mesmo tempo, esses mesmos professores que se recusavam a fazer esses cursos, alguns deles criaram comigo, no quadro do movimento que chamamos de movimento da escola moderna, "os sábados de reflexão", quando nos encontrávamos para trabalhar em conjunto, em que não havia créditos, cursos, não havia formação contínua, não havia relatórios. Praticamente nenhum professor faltava naqueles sábados. No primeiro caso, as tarefas eram consideradas constrangedoras, e [as] tarefas que eles definiam conosco, tarefas que facilitavam seu trabalho.

O ponto é esse. Como conseguirmos fazer dessas tarefas não tarefas burocráticas mas tarefas facilitadoras, que ajudem em suas aulas a lidar com alunos. Essa é a volta que ainda não conseguimos dar. É central para a credibilidade da profissão. Podemos não gostar muito. Que os trabalhos universitários, por exemplo, sejam medidos muitas vezes pelo número de trabalhos científicos publicados, pelo número de artigos citados etc. Mas isso é uma componente importante para a credibilidade dos cientistas. Precisamos encontrar elementos do mesmo tipo para dar credibilidade ao trabalho docente. Ou fazemos nós, a partir de uma reflexão da profissão, ou alguém vai fazer por nós.

António Nóvoa (2007) Desafios do trabalho do professor no mundo contemporâneo

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