Afirmar a importância da educação no desenvolvimento das sociedades pareceria ser objecto de algum consenso social. Contudo, ao ouvir as posições de alguns conhecidos comentadores, presentes nalguma Comunicação Social, as coisas afiguram-se muito mais polémicas. Intervenções do prof. Nuno Crato, no programa ‘Plano Inclinado’ da SIC Notícias (08/02/2010 e 07/03/2010) e de Pedro Lomba no jornal ‘Público’ (02/03/2010), entre outros, procuram enquadrar as suas perspectivas educacionais em concepções de sociedade e em modelos económicos bem precisos, mas pouco explicitados.
Nuno Crato cita e elogia as posições de Eric Hanushek, um economista norte-americano, vertidas num recente relatório da OCDE, que considera que as políticas educativas só têm efeitos positivos na economia se incidirem sobre a qualidade do ensino e não tanto sobre a ‘quantidade’ da população abrangida. O critério da qualidade da educação seria, pois, o seu impacto na eficiência económica ou na tão apregoada competitividade.
Pedro Lomba, comentando outro relatório da OCDE sobre a (escassa) mobilidade social em Portugal, conclui que isso se deve à ‘uniformização’, ao ‘igualitarismo’ e à ‘irresponsabilidade’ nas escolas. Tanto um como o outro parecem opor-se fortemente a uma nebulosa de teorias pedagógicas que propuseram a unificação de percursos escolares na escola básica, que defendem a superação dos modelos de transmissão do saber baseados no papel central do professor e que pretendem teorizar e aplicar uma pedagogia que recentra o processo educativo no aluno.
Ao contrário, eles valorizam a selectividade como forma de criar elites intelectuais, científica e tecnicamente bem preparadas, sobre as quais assentaria o progresso das sociedades. A escola serviria para esse fim, reorientando ‘os tidos como incapazes’ para caminhos profissionais menos ambiciosos.
Não é de estranhar que este discurso ignore o longo e penoso caminho que, na generalidade dos países europeus, desde o século XVIII e sobretudo desde o século XIX, as populações percorreram até ao acesso generalizado à escola pública. Nem tão pouco que desvalorize o enorme esforço feito pelos estados, impulsionados por personalidades com intervenção cívica muito forte, na criação de cada vez melhores condições para o sucesso escolar e social das gentes menos favorecidas económica e culturalmente. Nem ainda que queira esconder o crescente impacto no desenvolvimento económico e social e na democratização das sociedades que aquele processo desencadeou.
O que espanta é que se evoque, aqui e ali, como modelo a repor, o ensino de há cinquenta anos, a segmentação, aos dez anos, do sistema escolar em duas vias divergentes – liceal e técnica – e ainda a instauração na escola duma autoridade de feição policial. Esquece-se, porventura, que, no início dos anos setenta, já a reforma Veiga Simão apontava caminhos no sentido duma escola pública básica unificada, de oito anos, a que as políticas pós-25 de Abril acrescentaram mais um ano, embora com áreas opcionais, que posteriormente vieram a ser abandonadas? E que dizer sobre a progressiva degradação da formação de professores, muito nítida desde o início dos anos oitenta? Quem deve ser responsabilizado pelas inflexões ‘facilistas’ do nosso sistema de ensino?
Não é possível reflectir produtivamente sobre os difíceis momentos que a escola hoje atravessa e desenvolver estratégias para os superar, se os notáveis comentadores da educação que temos continuarem a isolar e, por isso, a ‘ficcionar’ os contextos educativos em que trabalhamos, sem se preocuparem com as múltiplas interacções que se produzem, quotidianamente, dentro da escola, entre esta e a sociedade em que ela se insere e até dentro da própria sociedade que a envolve; se continuarem a tomar a ‘nuvem por Juno’ no que diz respeito aos motivos dos fracos resultados escolares [e educativos], que todos reconhecemos que existem, esquecendo as responsabilidades dos que governaram e geriram a educação ao longo destes mais de trinta anos; se, enfim, persistirem em encarar o sucesso dos jovens e da escola como questão meramente instrumental relativamente às políticas, aos objectivos económicos e aos modelos de organização da sociedade que defendem. A acreditar neles, estaríamos intelectual e civilmente bem mais seguros e perante uma realidade muito mais simples e linear. Havendo quem pensasse por nós, circularíamos tranquilos no grande reino do ‘economês’…
José João Lucas
Escola Básica 2 3 de Mealhada
Nuno Crato cita e elogia as posições de Eric Hanushek, um economista norte-americano, vertidas num recente relatório da OCDE, que considera que as políticas educativas só têm efeitos positivos na economia se incidirem sobre a qualidade do ensino e não tanto sobre a ‘quantidade’ da população abrangida. O critério da qualidade da educação seria, pois, o seu impacto na eficiência económica ou na tão apregoada competitividade.
Pedro Lomba, comentando outro relatório da OCDE sobre a (escassa) mobilidade social em Portugal, conclui que isso se deve à ‘uniformização’, ao ‘igualitarismo’ e à ‘irresponsabilidade’ nas escolas. Tanto um como o outro parecem opor-se fortemente a uma nebulosa de teorias pedagógicas que propuseram a unificação de percursos escolares na escola básica, que defendem a superação dos modelos de transmissão do saber baseados no papel central do professor e que pretendem teorizar e aplicar uma pedagogia que recentra o processo educativo no aluno.
Ao contrário, eles valorizam a selectividade como forma de criar elites intelectuais, científica e tecnicamente bem preparadas, sobre as quais assentaria o progresso das sociedades. A escola serviria para esse fim, reorientando ‘os tidos como incapazes’ para caminhos profissionais menos ambiciosos.
Não é de estranhar que este discurso ignore o longo e penoso caminho que, na generalidade dos países europeus, desde o século XVIII e sobretudo desde o século XIX, as populações percorreram até ao acesso generalizado à escola pública. Nem tão pouco que desvalorize o enorme esforço feito pelos estados, impulsionados por personalidades com intervenção cívica muito forte, na criação de cada vez melhores condições para o sucesso escolar e social das gentes menos favorecidas económica e culturalmente. Nem ainda que queira esconder o crescente impacto no desenvolvimento económico e social e na democratização das sociedades que aquele processo desencadeou.
O que espanta é que se evoque, aqui e ali, como modelo a repor, o ensino de há cinquenta anos, a segmentação, aos dez anos, do sistema escolar em duas vias divergentes – liceal e técnica – e ainda a instauração na escola duma autoridade de feição policial. Esquece-se, porventura, que, no início dos anos setenta, já a reforma Veiga Simão apontava caminhos no sentido duma escola pública básica unificada, de oito anos, a que as políticas pós-25 de Abril acrescentaram mais um ano, embora com áreas opcionais, que posteriormente vieram a ser abandonadas? E que dizer sobre a progressiva degradação da formação de professores, muito nítida desde o início dos anos oitenta? Quem deve ser responsabilizado pelas inflexões ‘facilistas’ do nosso sistema de ensino?
Não é possível reflectir produtivamente sobre os difíceis momentos que a escola hoje atravessa e desenvolver estratégias para os superar, se os notáveis comentadores da educação que temos continuarem a isolar e, por isso, a ‘ficcionar’ os contextos educativos em que trabalhamos, sem se preocuparem com as múltiplas interacções que se produzem, quotidianamente, dentro da escola, entre esta e a sociedade em que ela se insere e até dentro da própria sociedade que a envolve; se continuarem a tomar a ‘nuvem por Juno’ no que diz respeito aos motivos dos fracos resultados escolares [e educativos], que todos reconhecemos que existem, esquecendo as responsabilidades dos que governaram e geriram a educação ao longo destes mais de trinta anos; se, enfim, persistirem em encarar o sucesso dos jovens e da escola como questão meramente instrumental relativamente às políticas, aos objectivos económicos e aos modelos de organização da sociedade que defendem. A acreditar neles, estaríamos intelectual e civilmente bem mais seguros e perante uma realidade muito mais simples e linear. Havendo quem pensasse por nós, circularíamos tranquilos no grande reino do ‘economês’…
José João Lucas
Escola Básica 2 3 de Mealhada
2 comentários:
Pois!...concordo na generalide com o texto.Há causas como esta da escola pública, que me acompanham há anos e anos e agora quase se torna impossível acreditar que haja saída para tanta confusão...
E,é urgente,mais que necessário,urgente!
Excelente texto, Zé João!
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