sexta-feira, 26 de março de 2010

“Não sei se os movimentos de professores vão ler isto…”


Caros Amigos:
Aqui vai um comentário que publiquei no Passa Palavra, na discussão de
um artigo sobre a luta actual dos profs no estado de São Paulo (Brasil).

Abraços, José Mário Branco.


As lutas de professores de São Paulo - que são objecto de recentes artigos no Passa Palavra e dos muitos (e interessantes) comentários a eles - deveriam sugerir aos leitores de Portugal pelo menos duas reflexões importantes:

1) A relação dos professores com o sistema educativo, por um lado, e com as estruturas sindicais, por outro, têm grandes pontos de semelhança nos dois países. Os professores portugueses tiveram, até às eleições legislativas do último outono e à nomeação da nova ministra Isabel Alçada, uma vitalidade e um grau de autonomia que parece ter-se esvaído. Porquê? Em oposição à anterior ministra, houve gigantescas (à nossa escala) e frequentes manifestações, centradas essencialmente em dois aspectos correlacionados da vida dos professores: problemas de emprego e salários (Estatuto da Carreira Docente, sistema de avaliação, quadro de efectivos e colocações), e problemas de “dignidade”, ante o forte ataque do governo à reputação dos professores e do funcionalismo público em geral. A nova ministra entrou com o claro objectivo de contrastar com o autoritarismo e a antipatia da sua predecessora, e de ostentar “disponibilidade para a negociação”. A partir daí, temos o silêncio total, salvo alguns protestos esparsos de chefes sindicais quanto às negociações em curso. Facto é que os movimentos autónomos e relativamente espontâneos que deram vida aos grandes protestos de professores não aparecem, só se ouve a “refilice” das estruturas sindicais tradicionais. Isso faz-me pensar que esses movimentos eram autónomos, sim, quanto às formas de mobilização, mas completamente atrelados ao sistema sindical quanto às formas de luta e aos conteúdos das reivindicações.

2) Da última asserção decorre que o grau de autonomia está dependente do grau de consciência dos autonomizados quanto às razões politico-sociais do seu mal-estar. A tentação autonomista dos profs portugueses decorria, não de uma discordância de fundo quanto aos conteúdos da luta (lista de reivindicações, ou pauta), mas de uma insatisfação quanto à eficácia e à fiabilidade dos seus representantes sindicais “normais”. Nos debates feitos pelo Passa Palavra, há um ano, com representantes de todos esses movimentos as intervenções centraram-se na dignidade e no respeito pela sua classe, nas condições materiais do exercício da profissão e na segurança das carreiras profissionais. Disso só destoou o Sérgio Niza, do Movimento da Escola Moderna (que não é um movimento trabalhista, mas sim um movimento de reflexão e formação pedagógica), que pôs em causa a consciência social e pedagógica dos professores, relativizando as questões categoriais que os levaram para a rua - e o mesmo aconteceu com um artigo de Pedro Branco, também activista do MEM, aqui publicado.

Para isto, eu só vejo uma explicação: os professores portugueses, na sua imensa maioria, continuam alienados na visão política da classe dominante. Não havendo (como não há aqui, mas há no Brasil) movimentos sociais fortes e estruturados dos trabalhadores mais pobres, os professores não ganham consciência política e social e, por isso, não conseguem autonomizar as suas lutas do eterno e dominante tandem sindicatos/ministério.

Não encontro melhor prova de que a educação é uma ferramenta da reprodução do sistema capitalista. E como a classe capitalista portuguesa é atrasada e cheia de vícios parasitários que prejudicam o seu próprio desenvolvimento, não se colocam, no terreno, as questões levantadas pela necessidade de favorecer a produtividade e, como diria o João Bernardo, a luta social no terreno da mais-valia relativa.Não sei se esses movimentos dos professores portugueses vão, sequer, ler estes artigos e estes comentários… O seu silêncio tem sido confrangedor. Mas aqui fica a interpelação.

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