À segunda semana o governo voltou à escola para reconhecer o mérito de estudantes que mais se destacaram pela sua inteligência e vontade de aprender. Foi bonito ver o governo a reconhecer o valor destes jovens. Estranho é o montante do prometido prémio de 500 €. Quase parecia uma piada de mau gosto, se é que a alguma mente maldosa ocorresse imaginar que a Ministra da Educação pudesse algum dia ser dada a alguma forma de ironia, por perversa que seja. Na verdade estes são os jovens da geração 500€ que hão-de terminar cursos que os hão-de levar a empregos precários, a falsos contratos de prestação de serviços, quem sabe se para ensinar inglês às crianças do primeiro ciclo.
Mas a cerimónia foi bonita, apesar de tudo. Tão bonita que até parece um atrevimento lembrar-se a gente das crianças que saem de casa pela madrugada para apanhar um autocarro que os há-de levar a uma escola do lado de lá da geada do inverno e voltar a trazer à noitinha, lembrar-se a gente do desencanto das crianças que mal compreendem a língua que falam os professores, do cansaço das meninas e meninos derrotados diante da imensa tarefa de compreender uma escola que pertence a um mundo que não é o seu, do desnorte de rapazes e raparigas que não atinam que utilidade pode ter a escola que lhes dão.
À terceira semana o governo desceu de novo às escolas. Desta vez levava "Magalhães" para distribuir pelas crianças. E à quarta semana descansou, olhou para a sua criação a agradou-se da imagem que tinha dado de si mesmo.
Ficou bem distribuir computadores às crianças. Tudo o que possa corresponder a um reequilíbrio na desigualdade de oportunidades só pode merecer aplauso. Tudo o que sirva para apontar caminhos de inovação merece reconhecimento. Mas às vezes o deslumbramento é tanto que até parece mal, fica uma pessoa um bocado constrangida de se lembrar quanto pagaram a mais as famílias este ano por esses outros instrumentos arcaicos – os livros. Além da prestação da casa – os livros; além da prestação do carro – as mochilas, mais as canetas, o fato de treino, as sapatilhas…
Agora isso são miudezas da vida de cada um e cada uma, importa mesmo é que os "Magalhães" chegaram – e bem – às escolas e, com eles completa-se a trilogia constitutiva dessa ideia de que a escola reproduz a empresa: prémio de produção, edifício, equipamento. Esta ideia redutora de que a escola se mede pelo que produz em matéria de conhecimento é a que a coloca mais perto da ideia de escola empresa.
Na complexidade do processo educativo reside a sua extraordinária importância e não se pode reduzir a uma mera contabilidade de competências, também é isso mas é muito mais, é criatividade e inventividade, é mobilização de interacções sociais, é valorização dos equilíbrios com a natureza, é o reconhecimento da diferença de cada uma e cada um face aos outros, é percepção do mundo, é amor à arte na sua imensidade de expressões, é conhecimento e exploração de si mesmo do seu corpo, das suas limitações e excelências, é racionalidade e afecto. Sem afecto não há educação possível.
Crónica de Alda Macedo em EscolaInfo