quarta-feira, 8 de julho de 2009

Uma petição injusta


Um professor avançou com uma petição “pela responsabilização efectiva das famílias nos casos de absentismo, abandono e indisciplina escolar” e rapidamente ela obteve muitas assinaturas (17 mil) e é discutida esta quarta-feira no parlamento.

Percebe-se o impacto e a adesão que teve. Quando há problemas é sempre mais fácil encontrar um bode expiatório, com cabeça tronco e membros. Se há alunos indisciplinados ou absentistas então castigue-se os pais, indiscriminadamente. É a idea da solução fácil, imediata, como se o problema fosse simples e não existissem causas mais complexas a montante que necessitam de ser combatidas.

A indignação com esta petição atinge o seu auge quando lemos a única proposta concreta que ela carrega: “medidas sancionatórias às famílias negligentes como multas, retirada de prestações sociais e, no limite, efeitos sobre o exercício das responsabilidades parentais”.

Pois, as multas e a retirada de prestações sociais punem precisamente quem mais sofre e quem tem menos possibilidades de acompanhar os seus filhos. Não prejudicam a família rica e negligente. Castigam sim a família em que muitas vezes ambos os pais têm vários trabalhos precários, mal dormem e esforçam-se ao máximo por pagar os materiais escolares dos filhos. Prejudicam as famílias que já têm privações e que por muito boa vontade que tenham, não têm as mesmas possibilidades de acompanhar os seus filhos. São medidas injustas e que só pioram o problema.

Num mundo e num país em que a precariedade aumenta, em que as dificuldades são cada vez maiores para cada vez mais famílias, faz sentido apontar baterias contra os pais que querem acompanhar os seus filhos mas não podem? Faz sentido fazer julgamentos morais sobre a vontade de cada família quando não se conhecem os contextos?

É por isso que esta petição acerta ao lado. Para combater o insucesso, o abandono e a indisciplina, as medidas certas são outras e são de dois tipos:

1) Apoios sociais dignos para as famílias mais necessitadas, combate ao desemprego e à precariedade com medidas concretas, e redução do horário de trabalho.

2) Potenciar as escolas de meios humanos e materiais (não sobrecarregando sobre os mesmos) que lhe permitam um combate sério ao abandono e insucesso escolar, com turmas mais pequenas, psicólogos, assistentes sociais e tutorias.

Miguel Reis, Movimento Escola Pública

8 comentários:

Anónimo disse...

Estou 100% de ascordo com o Miguel.
Oxalá que a discussãso no parlamento, desta petição, permita, ao menos pôr em relevo a ausência quase total do apoio às famílias por parte do Estado: nomeadamente a ausência clamorosa de acompanhamento por técnicos sociais em tantos casos onde existem problemas de pobreza, de alcolismo, de droga, etc. Não existe uma resposta minimamente à altura - por parte do Estado - a estas situações (que ele no fundo cria) de precariedade, pobreza, exclusão!!!!
Manuel Baptista

Helena disse...

Completamente de acordo. Com o post do Miguel Reis e com o comentário anterior.
Helena Dias

Maria José Vitorino disse...

Aproveitar o debate no parlamento para construir pensamentos anti-caça-ao-bode-expiatório, e sobre como agir para prevenir e remediar, era um grande serviço à causa pública do crescimento da inteligência!
Concordo com o Miguel e com a Luta Social

Maria José Vitorino disse...

E no entanto Miguel, porque alguns leitores já vi interpretarem o teu post de outras formas:
1. trabalhar com as famílias é mais, muito mais que gerir subsídios e apoios; o assistencialismo deu muito maus frutos, todos o sabemos; as famílias de todo o tipo não podem ser encaradas como entidades passivas, pois não o são; agindo, interferem nas consequências; é difícil resolver estas questões? É, e iso é mais uma razão para debater e inventar perguntas e respostas!
2. as equipas a nível de escola E DE AGRUPAMENTO (ou de concelho, em muitos casos há AE únicos por concelho) são um passo para se agir produtivamente, INCLUINDO a prevenção com as famílias ANTES mesmo da escolaridade, com os professores em permanência, com outras instituições em parceria (ligadas a outros Ministérios por exemplo); sem o reconhecimento destas equipas, e o necessário apoio, mais tarde ou mais cedo volta o tal bode ( o expiatório), quandto mais não seja nas fantasias judaico-cristãs - em que a culpa é nuclear, e a felicidade muitas vezes... mal vista!

AMCD disse...

Destaco as seguintes afirmações do post:

"Percebe-se o impacto e a adesão que teve [a petição]. Quando há problemas é sempre mais fácil encontrar um bode expiatório, com cabeça tronco e membros. Se há alunos indisciplinados ou absentistas então castigue-se os pais, indiscriminadamente. É a ideia da solução fácil, imediata, como se o problema fosse simples e não existissem causas mais complexas a montante que necessitam de ser combatidas."

Não estou de acordo com o Miguel em particular quando parece confundir responsabilização com expiação ou culpabilização. Responsabilizar não é culpabilizar, ou não deveria ser. Os encarregados de educação têm (devem ter) responsabilidade na educação das crianças e jovens a seu cuidado, pela sua maior proximidade e influência em relação aos mesmos, e com os quais convivem e assistem, geralmente, desde o nascimento. Assim devem ser responsabilizados, para o bem e para o mal, pelos actos dos seus educandos (e não só para o mal). É claro que não são os únicos responsáveis: temos ainda a família, a escola, os meios de comunicação, enfim, a sociedade em geral...contudo, aos encarregados de educação cabe uma grande fatia na educação das crianças e jovens ao seu cuidado.

Não se trata de castigar os pais, mas sim de responsabilizá-los (face à desresponsabilização e à falta de civismo que grassam no nosso país).

Aristóteles, na sua Ética a Nicómaco escreveu o seguinte, há cerca de 2 300 anos e com o qual concordo inteiramente:

"O amor dos filhos pelos seus pais tal como a ligação dos homens aos deuses é paralelo ao laço que nos une ao bem e ao que nos é superior. Na verdade, fizeram-lhes o melhor bem que lhes poderiam ter feito, são responsáveis pela sua existência e pela sua criação, e depois pela sua educação." (Aristóteles, Ética a Nicómaco, livro VIII, capítulo XII)

É claro que já não vivemos na antiga Grécia, mas os pais (e a maior parte dos encarregados de educação) continuam a ser responsáveis, pela existência e pela criação, e depois pela sua educação dos seus filhos ou educandos.

Por fim, concordo com o Miguel quando afirma que o problema não é simples e que existem causas mais complexas a montante que precisam ser resolvidas, contudo julgo que a sua resolução só é possível a longo ou a médio prazo (refiro-me a problemas como a pobreza, o desemprego ou o emprego precário, as injustiças sociais como a falta de igualdade de oportunidades, e as barreiras à ascensão social), quando muitos problemas precisam também ser enfrentados no curto prazo (refiro-me à indisciplina, ao abandono escolar, insucesso escolar, etc.).

Acredito que responsabilização dos pais será mais eficaz do que o superpovoamento das escolas por psicólogos e assistentes sociais.

miguel reis disse...

Vejo que o debate está interessante e isso é óptimo

Cara AMCD:

a proposta da petição é aplicar " medidas sancionatórias às famílias negligentes" como a "retirada de apoios sociais".

Não me choca que haja pedagogia na responsabilização dos pais mas não é isso que a petição propõe, ela propõe punições. O que, mais uma vez, piora muito mais as condições desses pais para ajudarem os seus filhos.

Quem sou eu para julgar um pai ou uma mãe que acompanha pouco o seu filho/a? Quem somos nós para o fazer? Conhecemos os contextos? O que é negligência e o que é indisponibilidade prática devido à dificuldade da vida?

Além de injusta, a propsota parece-me um gasto de energia desnecessário: definir comportamentos negligentes, descobrir o que são comportamentos irresponsáveis, e depois reprimi-los. É o reino da arbitrariedade que nada resolveria. Não é mais fácil investir no apoio directo às famílias? E no apoio às escolas?

Penso que o papel da escola - de uma escola pública reforçada - é precisamente o de tentar atenuar as desigualdades económicas e culturais de partida, dando iguais oportunidades a todos.

Um abraço

Miguel

touaki disse...

Lá estamos nós outra vez com a teoria do coitadinho!
Parece que a sociedade é composta por marcianos, não é?
Os pais de meninos mal comportados não fazem parte da sociedade?
O meu filho tem direito a ter uma escola onde possa aprender em ambiente de calma e tranquilidade e com condições materiais e humanas adequadas! Não tem é de aturar outros menionos que se estão nas tintas, insurrectos que apenas se preocupam em "chagar" tudo e todos!
Estar na escola, na rua, no café ou na praia, para esses é tudo o mesmo!
Não me parece que esses lindos e coitadinhos meninos tenham o direito de perturbar quem quer aprender!
Deixem-se de lirismos típicos de concepções românticas que não conduzem a lado algum (ou melhor conduziram ao estado a que isto chegou!).
Há gente, infelizmente, que apenas entende certos tipos de linguagem! E uma delas é mexendo-lhes no bolso!

JOSÉ LUIZ FERREIRA disse...

«Faz sentido apontar baterias contra os pais que querem acompanhar os seus filhos mas não podem?»

Penso que a petição não apontava baterias contra estes. Apontava baterias contra os que podem mas não querem.

E estes estão muito longe de ser poucos.