sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

“O ESTADO A QUE ISTO CHEGOU”, por Constantino Piçarra



Depois da contestação ao modelo de avaliação dos professores, o Ministério da Educação no passado dia 5 de Janeiro fez publicar em Diário da República um Decreto Regulamentar (nº1-A/2009) que, segundo os responsáveis da 5 de Outubro, simplifica o modelo de avaliação primitivamente concebido, na medida em que – e isto é assumido pela Ministra – lhe foram retirados os aspectos mais criticáveis. No entanto, logo se acrescenta que no próximo ano lectivo de 2009/2010 se mantêm em vigor os aspectos que agora se retiram nesta simplificação, justamente por serem criticáveis.

Quem me explica esta conversa? Há aqui alguém que, decididamente, pensa que os professores e o povo em geral são parvos. E o pior é que quem assim pensa são os responsáveis pelo Ministério da Educação. Abençoado país que possui governantes deste quilate.

Após análise do citado Decreto Regulamentar cujo objectivo é simplificar, a primeira conclusão a retirar é que complica. Vejamos alguns exemplos transportados para o mundo conhecido por todos para que, efectivamente, todos percebam do que se está a falar.

Imagine o leitor que é médico e que trabalha num centro de saúde dirigido por uma advogado e onde você é o único profissional de saúde, por sinal, reconhecido pela comunidade como excelente. Imagine, ainda, que o governo decidiu que você devia ser avaliado enquanto médico – (se receitava os medicamentos apropriados, se auscultava correctamente os doentes, etc.) – pelo advogado, director do centro de saúde. Perante esta coisa tresloucada seria de esperar que você ficasse quieto e calado? Claro que não. Pois bem, foi o que a classe docente fez quando se apercebeu que um professor de história ia avaliar um professor de educação física e que este avaliaria um de educação visual e assim por diante. E nesta conformidade se manifestaram na rua exigindo uma outra avaliação, no mínimo séria e honesta.

Agora imagine o leitor que o governo, perante a sua crítica, na qualidade de médico, simplificava a avaliação dizendo-lhe: Bem, nós percebemos a sua crítica e, por isso, resolvemos o assunto da seguinte maneira: Desde logo o senhor pode prescindir de ser avaliado na vertente “acto médico”. No entanto, se optar por tal caminho nunca poderá ser classificado com “Muito Bom” ou “Excelente”. Se quiser ter essas altas classificações das duas uma: Ou aceita ser avaliado pelo Advogado, director do centro de saúde, ou requer ser avaliado por um médico, só que, neste caso, não lhe dizemos qual será o médico que o irá avaliar. Pode ser um acabado de entrar na profissão, sem experiência, ou até pode não haver qualquer médico e neste caso a gente não lhe sabe dizer que classificação é que terá.

Convenhamos que para simplificação não está mau de todo. No entanto a questão central é esta: Estaria o leitor disponível para aceitar esta opacidade de procedimentos totalmente aberta ao arbítrio? Penso que não. E um professor de educação visual, arquitecto, tem que estar disponível a tudo isto só para não ser avaliado por um colega de educação física?

Agora imagine o leitor que tem uma empresa de construção civil e que concorre a um concurso aberto pelo Ministério da Educação destinado a construir uma escola em Mértola. São três os concorrentes. A empresa do leitor e mais duas. Agora imagine que o Ministério da Educação delega o poder de avaliar as propostas e de, portanto, decidir quem ganha o concurso, numa empresa sua concorrente no referido concurso? Como reagiria o leitor? Provavelmente clamando que isto era um caso de polícia ou que se estava numa república das bananas. Pois bem, então que dizer dum sistema de avaliação imposto pelo Ministério da Educação onde um professor irá avaliar outro, mas que depois os dois irão ser opositores ao mesmo concurso e à mesma vaga? Pode-se dizer tudo. Que os professores não querem ser avaliados é que não.

E é este o estado da república em matéria de avaliação de professores. És professor de educação física, toma lá um arquitecto para te avaliar que a bola também faz arcos e a ginástica é pura estética em movimento. Achas isto mal? Não percebes a coisa? Então deixa-te de avaliações e contenta-te com um “Bom” ou um “Suficiente” que a tua mente é de horizontes curtos. Ainda refilas? Então requer lá um professor de educação física para te avaliar que a gente logo vê o que consegue. Pobres e mal agradecidos. Andam todos com a mania que são Ronaldos.
E VIVA PORTUGAL!

“Diário do Alentejo” de 16/01/09

2 comentários:

Elia Mira disse...

Parabéns pelo texto. Há muito que me interrogo porque razão sendo a classe docente uma das mais competentes do país, não usa dessa sua capacidade para se exprimir e esgrimir argumentos para explicar cabalmente, sem demagogias nem discursos panfletários, as razões do seu descontentamento.
Aqui está um exemplo a seguir.E é nesta linha que o movimento de luta tem que se orientar para que a opinião pública entenda as razões da não aceitação deste modelo de avaliação inexequível. Esperamos que outros professores possam contribuir desta forma tão positiva.

Unknown disse...

Sou professora aposentada, mas tenho seguido o escândalo administrado pelo Ministério da Educação deste país, que só é desgraçado porque tem no governo pessoas do calibre destas! No Ministério da Educação e noutros igualmente!
Quero dizer-lhe, colega, que textos como este devem ser divulgados o mais possível, junto da população. Ainda há quem esteja contra os professores por ignorância do que se passa efectivamente. Mais do que nunca, força! Recuar seria negar as verdadeiras razões desta gloriosa luta. Rosário Vaz