sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

O modelo do chicote e da cenoura


Excerto da entrevista a Paulo Pereira Trigo, no suplemento de Economia do jornal Público desta sexta-feira

(...)
Onde sente mais essa diferença na avaliação?

Na educação. Na educação foram feitas coisas muito importantes, com as quais globalmente estou de acordo. Mas quanto à avaliação, há dois países considerados com o melhor sistema de ensino do mundo, a Finlândia e a Coreia do Sul. A Finlândia não tem sistema de avaliação de professores.

E a Coreia?

Não sei e a Finlândia é mais parecida connosco.
Temos dois problemas que a teoria económica nos ensina e que são o risco moral e a selecção adversa na função pública. O risco moral é o risco de a pessoa não estar a fazer o que devia por não estar a ser monitorizada, e as que forem menos diligentes vão ficar. Os vínculos eternos à função pública têm um risco moral gravíssimo. E temos também o problema de selecção adversa: se todos são tratados por igual, saem os melhores e ficam os piores.

Temos de arranjar instrumentos para atacar estes problemas. O que a nova gestão pública defende - que não é o que eu defendo - é basicamente simplificar objectivos, monitorizar e depois é gerir o 'chicote' e a 'cenoura'. Torna tudo precário. Se a pessoa se porta bem, leva uma cenoura, um prémio de mérito; se se porta mal, vai para o desemprego - é uma linha neoliberal.

O que eu defendo é um modelo de comportamento humano diferente, baseado no conceito da reciprocidade e que já foi testado na economia experimental. As pessoas não são aquilo que nós, economistas tradicionais, pensámos: meramente egoístas e a responder a incentivos materiais de 'chicote' e 'cenoura'. As pessoas têm sentimentos e respondem reciprocamente positiva e negativamente. Quando lhes fazem coisas amigáveis, respondem de forma agradável, quando são hostis respondem de forma hostil. É esta alteração que tem de ser levada para a reforma da administração pública.

Qualquer que seja a actividade, motorista, jornalista, professor, tem contratos sempre incompletos. Há muita coisa que não está lá especificada. O modelo de reciprocidade exige muito menos monitorização, muito menos 'chicote' e 'cenoura'. Exige confiança, à partida, e isso implica que a avaliação não seja necessária todos os anos, bastará de dois em dois ou de três em três anos. Há que confiar nas pessoas e esperar que façam o que devem fazer. Pensar as pessoas apenas como 'homo economicus' leva, de facto, a um tipo de políticas públicas e de reformas da administração pública baseado excessivamente em questões que têm a ver com prémios materiais e punições.

Ver as pessoas apenas como 'homo economicus' tem também um efeito perverso, de "crowding-out", de afastamento dos valores individuais, do sentido ético, do sentido da responsabilidade, do dever, do trabalho bem feito.

E no modelo de reciprocidade?

A avaliação deve ser menor. No livro tenho um gráfico para mostrar que deve haver avaliação na função pública, mas deve ser sempre menor do que no privado. O custo da avaliação do sector público é muito maior.

Paulo Pereira Trigo participou na comissão para a reforma da administração central do Estado e presidiu à reforma da lei das Finanças Locais. Agora escreveu um livro sobre instituições económicas, políticas e democracia, cujo título identifica grandes dilemas para as sociedades actuais: "O Prisioneiro, o Amante e as Sereias".

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