Uma notícia publicada no passado dia 5 de Janeiro no site do Ministério da Educação revela em tom congrulatório o sucesso do ensino profissional público. Ao passo que em 2004 apenas 3676 alunos estavam inscritos nos cursos profissionais, em 2008 esse número passou para 54.899. Isto parece um sucesso, mas não é.
Não é um sucesso porque os actuais cursos profissionais promovem ainda mais evidentemente a exclusão social do que os seus silenciosamente abandonados antecessores, os cursos tecnológicos. Isto porque no segundo caso os alunos tinham ainda um percurso paralelo ao ensino corrente, o que lhes permitia prosseguir os estudos e entrar numa universidade, mas isso não acontece nos novos cursos profissionais. Dada a imensa diferença de nível de vida que existe entre quem tem e quem não tem um curso universitário, quanto mais alunos houver nos cursos profissionais mais cidadãos se verão privados do acesso à escola, tal como esta é tradicionalmente concebida pela esquerda: como, entre outras coisas, um instrumento de mobilidade social. Temos assim uma mentira política brilhante: mantêm-se os alunos na escola, sem que na realidade estejam na escola.
O Governo toma este tipo de medidas por duas razões, igualmente inaceitáveis. Primeiro, porque quantos mais alunos culturalmente carenciados saírem do percurso escolar normal, menores serão os indícios de insucesso; estes são os alunos que, por não virem ensinados de casa nem sensibilizados para o valor da escola, precisam que a escola faça esse trabalho – e a escola é incapaz de o fazer. Segundo, porque subsiste a crença falsa de que os alunos culturalmente carenciados são maus alunos por serem estúpidos, e não por provirem de meios culturalmente pobres. Se pensarmos que os maus resultados destes alunos não se devem à estupidez mas a carências culturais, vê-se imediatamente que um dos deveres centrais da escola é colmatar essas carências culturais, para pôr esses alunos tanto quanto possível ao nível dos outros.
Os mais de 50 mil alunos dos cursos profissionais são outros tantos cidadãos a quem não se reconhece o direito ao ensino de qualidade, nem à mobilidade social. São crianças e jovens a quem o governo desistiu de cultivar, isolando-os cuidadosamente dos conhecimentos de história e química, artes e economia, filosofia e matemática. Conhecimentos que, além do valor intrínseco que têm, têm ainda o valor económico de lhes dar estatisticamente uma vida melhor do que os seus pais tiveram. Não tive acesso a dados estatísticos sobre a proveniência económica e social destes mais de 50 mil alunos vítimas da mentira política, mas a minha previsão é que será reduzidíssimo o número dos que provêm de famílias cujos pais têm doutoramentos ou rendimentos 200 por cento acima da média.
A escola tem de aprender a ensinar os jovens provenientes de famílias culturalmente carenciadas. Desistir de o fazer por ser difícil é uma perversidade inaceitável.
Desidério Murcho, Filósofo (texto de opinião no P2 desta terça-feira)
Não é um sucesso porque os actuais cursos profissionais promovem ainda mais evidentemente a exclusão social do que os seus silenciosamente abandonados antecessores, os cursos tecnológicos. Isto porque no segundo caso os alunos tinham ainda um percurso paralelo ao ensino corrente, o que lhes permitia prosseguir os estudos e entrar numa universidade, mas isso não acontece nos novos cursos profissionais. Dada a imensa diferença de nível de vida que existe entre quem tem e quem não tem um curso universitário, quanto mais alunos houver nos cursos profissionais mais cidadãos se verão privados do acesso à escola, tal como esta é tradicionalmente concebida pela esquerda: como, entre outras coisas, um instrumento de mobilidade social. Temos assim uma mentira política brilhante: mantêm-se os alunos na escola, sem que na realidade estejam na escola.
O Governo toma este tipo de medidas por duas razões, igualmente inaceitáveis. Primeiro, porque quantos mais alunos culturalmente carenciados saírem do percurso escolar normal, menores serão os indícios de insucesso; estes são os alunos que, por não virem ensinados de casa nem sensibilizados para o valor da escola, precisam que a escola faça esse trabalho – e a escola é incapaz de o fazer. Segundo, porque subsiste a crença falsa de que os alunos culturalmente carenciados são maus alunos por serem estúpidos, e não por provirem de meios culturalmente pobres. Se pensarmos que os maus resultados destes alunos não se devem à estupidez mas a carências culturais, vê-se imediatamente que um dos deveres centrais da escola é colmatar essas carências culturais, para pôr esses alunos tanto quanto possível ao nível dos outros.
Os mais de 50 mil alunos dos cursos profissionais são outros tantos cidadãos a quem não se reconhece o direito ao ensino de qualidade, nem à mobilidade social. São crianças e jovens a quem o governo desistiu de cultivar, isolando-os cuidadosamente dos conhecimentos de história e química, artes e economia, filosofia e matemática. Conhecimentos que, além do valor intrínseco que têm, têm ainda o valor económico de lhes dar estatisticamente uma vida melhor do que os seus pais tiveram. Não tive acesso a dados estatísticos sobre a proveniência económica e social destes mais de 50 mil alunos vítimas da mentira política, mas a minha previsão é que será reduzidíssimo o número dos que provêm de famílias cujos pais têm doutoramentos ou rendimentos 200 por cento acima da média.
A escola tem de aprender a ensinar os jovens provenientes de famílias culturalmente carenciadas. Desistir de o fazer por ser difícil é uma perversidade inaceitável.
Desidério Murcho, Filósofo (texto de opinião no P2 desta terça-feira)
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