terça-feira, 10 de março de 2009

P´ra nos encher de direitos...! (Um muy raro testemunho)


Ainda duvidei que, num clicar de tecla e diante do meu nariz, estivesse surgindo, em português, uma mancha de frases glorificadoras e apelativas sobre um velho e aterrador estado salazarento e marcelista...que, um tal 25 de Abril fizera tombar para nos ´encher de direitos´(post publicado por Ilídio Trindade)...
Espantoso!

Não estivessem as nossas vidas à beira de um estado de choque, ameaçadas por um poder diabólico que parece não descansar até à extorsão; não houvesse um terreno, em pousio, para o discurso efervescente, elogioso do regresso ao passado que disputa os messianismos mais insuportáveis e, o texto publicado por Ilídio Trindade poderia merecer a honra de um stand-up.
Delirante!

Mas, como o tempo não está para brincadeiras e, ainda que, arriscando desdramatizar o que houver de arrebatador na coisa, adiantamos algumas hipóteses para entendimento. Pois, entre pergunta e resposta há um vasto campo de motivações e interesses a consumir.

O que emana da fraseologia declarativa e possante que nos envia Ilídio Trindade:
Ingenuidade? Pouco provável (caro colega) a exposição é comprometedora e a nossa generosidade não chega a tanto.
Ignorância? Hesitaríamos entre a bonomia de intenções e a austeridade na interpretação.
Oportunismo? Um tamanho despudor que abrigaria as desilusões alheias...

Se o nosso entendimento não for suficiente para abranger, apuradamente, o espírito do autor (?), a marca de pecado fundador, que esmagou a “alma portuguesa”, no tenebroso passado da nossa história, é um ingrediente bem visível na engendrada declaração. Qualquer um/a apanha a pegada dessa sombra, desse quebranto de quem, pelos vistos, não se purificou. Mesmo expondo armas relativas ao combate pela educação, pelos professores..., Ilídio Trindade parece refém do mau-olhado com que a ditadura amarrou a sociedade portuguesa.

Há que expurgar essa condenação, é o nosso alvitre. Sem a libertação dessa pena, dificilmente se encontrarão soluções para as inquietações apavoradas, atormentadas do autor de tão soberbo texto.

“Direitos ou a falta deles?”, assim titula o muy raro testemunho.
Dissimulado na pergunta, mas afoito na resposta, o insólito e anónimo criador do depoimento não deixa as suas opções por mãos alheias: no tempo em que éramos “amordaçados pelo regime fascista (...) os alunos sabiam muito mais!” e “qualquer pessoa com valor tinha acesso a um ensino de elevada qualidade (...)”, isto, num conjunto de frases assombradas pelo passado que o carrega. E, de que, Ilídio Trindade não deu, ainda, sinais de demarcação.

Por nós, garantimos, ninguém será amordaçado!
E mais, a bem do fulgor das almas vacilantes, sugere-se: reflexão; estudo, estudos sociais e humanos; educação, educação sobre cultura democrática, liberdade, cidadania, alteridade, preceitos e direitos humanos...

É. É um hábito e uma prática muito necessários para, honestamente, se combater pela escola democrática, pelo acesso ao conhecimento para todos, pela dignidade profissional e social d@s professores.
A ausência desta responsabilidade obstrui qualquer 25 de Abril, que um dia nos ´encherá de direitos´....

Fernanda Queirós, do MEP

“E ninguém parece lembrar-se que o fascismo surgiu de crises idênticas da democracia política e, sobretudo, de crises da democracia social e da ética, que alguns evocam só em momentos de puro oportunismo.”
(Luís Reis Torgal)

3 comentários:

ILÍDIO TRINDADE disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ILÍDIO TRINDADE disse...

O risco de se ser plural e apartidário tem destas coisas: tanto se pode ser acusado de direita como de esquerda, de ultra-direita como de ultra-esquerda, para já não dizer do centro, que ninguém sabe muito bem onde fica.

O risco de se ser livre tem destes paradoxos: tanto se pode ser acusado de "colado ao passado" por aqueles que o não ultrapassaram ou o não resolveram adequadamante, como de "agitador revolucionário" por aqueles que o não conheceram ou pouca importância lhe dão.

Com muito orgulho, sou de Santa Comba Dão e quis o destino que até frequentasse alguns dos lugares por onde andou Salazar. Coisa que não é pecado nem sinónimo de qualquer cogitação tendenciosa para qualquer dos lados e, muito menos, sinónimo de identidade nas ideias ou encómio mais ou menos velado da doutrina... Senão teríamos de excomungar todos os que frequentaram/frequentam a Universidade de Coimbra ou mesmo todos os portugueses, que viveram/vivem neste mesmo canto "à beira-mar plantado".

Relativamente ao texto, que é o que aqui mais está em causa, não sou seu autor, mas responsável por "tirá-lo" da corrente de e-mails e trazê-lo à luz de muitos visitantes do blogue do MUP.

As razões que me levaram a publicá-lo foram, essencialmente, três (a ordem por que as coloco é arbitrária):

- Li mais nele uma crítica ao presente do que um elogio ao passado. Só assim "lê" quem não está preso ao passado - difícil para muitos - e é um crítico atroz do presente. Além disso, a par da liberdade de expressão, há que não cercear a liberdade de interpretação e de pensamento.

- A pluralidade de opiniões é uma conquista da liberdade, reposta em Abril de 74, que prezo e defenderei com todas as minhas forças. Dela, posso não dar lições a ninguém, mas também não preciso de voltar a sentar-me nos bancos da escola.

- Há fantasmas que é preciso discutir e que são comuns em ambos os lados da barricada. Só da discussão nascerá a luz e, curiosamente, a verdadeira liberdade.

Do texto aqui publicado (com a mesma liberdade), apenas um reparo essencial ao seguinte trecho: "num conjunto de frases assombradas pelo passado que o carrega. E, de que, Ilídio Trindade não deu, ainda, sinais de demarcação."

Se a demarcação se refere ao meu passado, naturalmente não me demarco dele, não só porque faz parte de mim, como porque tenho por ele um orgulho de que não prescindo.

Se a demarcação se refere ao passado prechido pela ditadura do Estado Novo, aqui vão as explicações (ainda assim com muitos "ses"):

. Se a demarcação só for visível se me lançar a um poço de água sacrossanta, vão ficar eternamente à espera.

. Se a demarcação for feita com o percurso de vida... ele é conhecido, claro e acessível há mais de 40 anos.

. Se a demarcação tiver de ser feita como os outros gostariam que fosse, talvez também tenham de esperar muito tempo.

A demarcação cada um a faz à sua maneira e de acordo com a sua consciência... e, para isso, não tenho de me inscrever em nenhum partido político.

Até nisso... prezo a liberdade!

ILÍDIO TRINDADE disse...

No comentário, onde se lê "prechido" deve ler-se, obviamente, "Preenchido". As minhas desculpas pelo lapso.