quinta-feira, 19 de março de 2009

Pedagogia e liberdade


Os desafios que hoje se colocam aos educadores e professores, face às mutações sociais em curso, foi o actualíssimo tema abordado por Philippe Meirieu, na Conferência que teve lugar no dia 17 de Fevereiro na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Um tema dissecado pelo pedagogo francês, que pôs a tónica na possibilidade de transformar a crise que hoje se vive na educação numa nova oportunidade.

Regressar aos fundamentos da pedagogia, ao “trabalho autenticamente pedagógico” é de algum modo a “receita” (num domínio onde naturalmente não há receitas) de Meirieu, num mundo em que, como é sintetizado na apresentação da conferência, “o desaparecimento de referências comuns e a emergência do individualismo social, a aceleração vertiginosa das evoluções tecnológicas e a ascensão em força das economias pulsionais em todos os domínios colocam os educadores perante desafios totalmente inéditos”.

Em causa está, nas palavras de Meirieu, partir de dois princípios fundamentais: todos podem aprender e crescer; ninguém pode obrigar ninguém a aprender e a crescer.

Agir entre estas duas polaridades – o princípio da educabilidade e o princípio da liberdade - é o trabalho de “bricolage” que se coloca à pedagogia. A pedagogia afirma-se assim como um domínio de complexidade que, ao arrepio de todos os esquematismos, não é nem fatalismo nem voluntarismo, e simultaneamente implica transmissão de conhecimentos e emancipação do sujeito.

Repensar conceitos e práticas

Repensar conceitos (demasiado) genéricos surge aqui como uma necessidade fundamental. Trata-se de redefinir o que são verdadeiramente “os métodos activos”, “o interesse do aluno”, “a personalização das aprendizagens”, “a construção dos saberes”, “a pedagogia da descoberta”, “a avaliação formativa”, “a formação em autonomia”.

Passo a passo, Meirieu alerta para uma abordagem em que “métodos activos” deve pressupor que sejam intelectualmente activos. Em que partir do “interesse do aluno” significa também abrir portas a novos interesses. Mobilizar em torno de tarefas tem como real conteúdo o “fazer ao serviço do compreender”. A diferenciação pedagógica deve corresponder a “abrir o leque de possibilidades”. A aprendizagem não se deve resumir à aquisição de competências. O “aprender a aprender” se deve processar “aprendendo alguma coisa”. Ou ainda a “avaliação formativa” não implica abandonar a exigência.

Num momento em que alguma confusão marca as próprias funções da escola, o pedagogo francês sublinha que a necessária resposta a questões sociais precisas não deve levar a escola a abandonar a perspectiva universalista, ligando o particular ao universal. Na perspectiva de que a cultura é “deitar abaixo os muros”.

Dom, ciência, arte?

Recusando, à partida, definir a pedagogia como um dom, Meirieu considera também não se tratar de uma ciência. Porque pedagogia é “trabalhar com pessoas”, o que envolve “fazer diferente do previsto”, improvisar, o que põe em causa o rigor do método científico.
Tão pouco será uma arte. Antes uma “arte de fazer”. É, de certo modo, na “bricolage” que se opera entre os dois pólos – o princípio da educabilidade e o princípio da liberdade -, no ligar e diferenciar, na transmissão de cultura, que a pedagogia se afirma.

Artigo da Revista do SPGL “
Escola Informação

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