Os burocratas da educação sonham com números exactos que avaliam a realidade objectiva e simplesmente. Os jornalistas apressados desejam manchetes e comparações transparentes que permitam tirar ilações imediatas, apontar o dedo aos culpados e virar a página em direcção a uma nova polémica. Os rankings são uma receita perfeita para estes dois grupos. Até porque, apesar de tudo, com os números se podem sempre fazer alguns números de malabarismo.
Em Portugal foi o jornal Público a conduzir uma campanha a favor de um ranking de escolas de acordo com os resultados dos exames nacionais. Alguns aceitavam, quanto muito, matizar estes resultados relacionando-os com os padrões sócio-económicos dos concelhos em que as escolas estejam inseridas e/ou equacionando ainda os custos da interioridade.
Refira-se que mesmo alguma esquerda caiu nesta armadilha ao reproduzir tacticamente o discurso sobre uma “melhor escola pública do país”, situada em Coimbra, aproveitando esse estatuto para combater o sistema de avaliação que o ME quer impor aos professores.
Conclusão pronta a consumir a partir destes rankings: o sistema privado de ensino seria melhor que o público. Receita: privatizar mais. E contudo, pegando nos mesmos números outra conclusão é possível: há um país de desigualdades sociais que se traduzem em termos de desempenhos escolares e nenhuma medida educativa estrutural para combater esta forma de injustiça.
Os testes e relatórios PISA da OCDE têm sofrido o mesmo destino que as comparações entre resultados de exames nacionais. Propícios a leituras enviesadas e rápidas, os relatórios PISA foram transformados em rankings feitos quase à medida para avaliar o “melhor sistema educativo” tal como os exames nacionais constituiriam um ranking perfeito para avaliar “a melhor escola do país”. Mais do que tudo, PISA tornou-se sinónimo de um barómetro mediático do desempenho dos sistemas educativos ocupando um papel central nas arenas políticas nacionais. E as mesmas conclusões simplistas: os melhores e os piores. As receitas implicam copiar um pouco dos melhores (não tudo obviamente que isso ficaria muito caro ou não seria exequível no nosso contexto).
E a partir destes relatórios também se poderia tirar a mesma conclusão que perante os exames nacionais: há um fosso enorme entre desempenhos no interior do mesmo país. E isso faz toda a diferença.
Em entrevista à Sciences Humaines, Jean-Yves Rochex, professor de ciências da Educação na Universidade Paris-VIII, defende que a comparação entre países é desinteressante, estatisticamente pouco relevante, e pergunta o que o PISA afinal avalia: “as performances dos sistemas educativos, ou as características culturais dos países, ou ainda a eficácia da educação das famílias?”
Para este professor universitário, PISA assentaria sobre um duplo pressuposto substancialista: “das competências universais e independentes dos contextos culturais” e da “estabilidade destas competências num mesmo individuo independentemente dos contextos e das condições de avaliação.” Referindo o autor estudos acessórios ao PISA que mostram que as competências dos alunos variam fortemente consoante contextos e tarefas propostas.
Este investigador defende igualmente que, se algumas lições o PISA nos dá, são as de que maior autonomia e descentralização não se traduzem imediatamente em menores desigualdades nos resultados e de que alguns dos países com melhores resultados no combate às desigualdades são os que têm sistemas ditos de “colégio único” e não os que apostam em vertentes profissionalizantes desde muito cedo nas formações escolares. O que coloca em causa algumas reformas e propostas políticas em França como aqui.
Aquilo que os números, por mais pobres que sejam, nos teimam em afirmar parece ser que a escola é, hoje como antes, reprodutora de desigualdades. Mas isso, os burocratas da educação teimam em não ver e os jornalistas apressados raramente o traduzem em manchetes. E de certeza que daí não podemos esperar que se pense em formas de combater a desigualdade social na escola. Mas esse é um desafio fundamental para a esquerda. Esta é uma questão difícil, que já teve muitas respostas óbvias que foram sendo abandonadas, e que é urgente para salvar o projecto de cidadania próprio da escola pública.
Texto de Carlos Carujo, no seu site
Em Portugal foi o jornal Público a conduzir uma campanha a favor de um ranking de escolas de acordo com os resultados dos exames nacionais. Alguns aceitavam, quanto muito, matizar estes resultados relacionando-os com os padrões sócio-económicos dos concelhos em que as escolas estejam inseridas e/ou equacionando ainda os custos da interioridade.
Refira-se que mesmo alguma esquerda caiu nesta armadilha ao reproduzir tacticamente o discurso sobre uma “melhor escola pública do país”, situada em Coimbra, aproveitando esse estatuto para combater o sistema de avaliação que o ME quer impor aos professores.
Conclusão pronta a consumir a partir destes rankings: o sistema privado de ensino seria melhor que o público. Receita: privatizar mais. E contudo, pegando nos mesmos números outra conclusão é possível: há um país de desigualdades sociais que se traduzem em termos de desempenhos escolares e nenhuma medida educativa estrutural para combater esta forma de injustiça.
Os testes e relatórios PISA da OCDE têm sofrido o mesmo destino que as comparações entre resultados de exames nacionais. Propícios a leituras enviesadas e rápidas, os relatórios PISA foram transformados em rankings feitos quase à medida para avaliar o “melhor sistema educativo” tal como os exames nacionais constituiriam um ranking perfeito para avaliar “a melhor escola do país”. Mais do que tudo, PISA tornou-se sinónimo de um barómetro mediático do desempenho dos sistemas educativos ocupando um papel central nas arenas políticas nacionais. E as mesmas conclusões simplistas: os melhores e os piores. As receitas implicam copiar um pouco dos melhores (não tudo obviamente que isso ficaria muito caro ou não seria exequível no nosso contexto).
E a partir destes relatórios também se poderia tirar a mesma conclusão que perante os exames nacionais: há um fosso enorme entre desempenhos no interior do mesmo país. E isso faz toda a diferença.
Em entrevista à Sciences Humaines, Jean-Yves Rochex, professor de ciências da Educação na Universidade Paris-VIII, defende que a comparação entre países é desinteressante, estatisticamente pouco relevante, e pergunta o que o PISA afinal avalia: “as performances dos sistemas educativos, ou as características culturais dos países, ou ainda a eficácia da educação das famílias?”
Para este professor universitário, PISA assentaria sobre um duplo pressuposto substancialista: “das competências universais e independentes dos contextos culturais” e da “estabilidade destas competências num mesmo individuo independentemente dos contextos e das condições de avaliação.” Referindo o autor estudos acessórios ao PISA que mostram que as competências dos alunos variam fortemente consoante contextos e tarefas propostas.
Este investigador defende igualmente que, se algumas lições o PISA nos dá, são as de que maior autonomia e descentralização não se traduzem imediatamente em menores desigualdades nos resultados e de que alguns dos países com melhores resultados no combate às desigualdades são os que têm sistemas ditos de “colégio único” e não os que apostam em vertentes profissionalizantes desde muito cedo nas formações escolares. O que coloca em causa algumas reformas e propostas políticas em França como aqui.
Aquilo que os números, por mais pobres que sejam, nos teimam em afirmar parece ser que a escola é, hoje como antes, reprodutora de desigualdades. Mas isso, os burocratas da educação teimam em não ver e os jornalistas apressados raramente o traduzem em manchetes. E de certeza que daí não podemos esperar que se pense em formas de combater a desigualdade social na escola. Mas esse é um desafio fundamental para a esquerda. Esta é uma questão difícil, que já teve muitas respostas óbvias que foram sendo abandonadas, e que é urgente para salvar o projecto de cidadania próprio da escola pública.
Texto de Carlos Carujo, no seu site
1 comentário:
"Aquilo que os números, por mais pobres que sejam, nos teimam em afirmar parece ser que a escola é, hoje como antes, reprodutora de desigualdades. Mas isso, os burocratas da educação teimam em não ver e os jornalistas apressados raramente o traduzem em manchetes"
Esperemos que alguns de nós, anti-burocratas, tenham menos pressa (que os jornalistas...) e mais atenção ao essencial, para traduzir em língua de gente (TODA a gente) e mão firme. Obrigada, Carujo. Bom texto, excelente pretexto para repensar e pro-agir!
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