Cara Universidade,
Acabaste. E nós “acabámos”. A partir de agora serás cada vez mais uma prestadora de serviços, funcionando segundo uma lógica mercantil, utilitarista, instrumental, gerida segundo critérios de produtividade típicos de uma empresa. Serás ainda menos democrática no funcionamento, mais fechada à inclusão dos alunos de camadas menos favorecidas, e ainda mais burocrática (substituindo a velha e horrível burocracia do estado por uma burocracia empresarial fetichizada - venha o diabo e escolha) . Definir-te-ás cada vez mais como algo que não é um serviço público, serás cada vez mais avessa ao pensamento crítico e à criatividade e, em última instância, acabarás odiando a própria ideia de ciência, substituída pela instrumentalidade técnica de curto alcance, imediatista, flutuando ao sabor da “demanda” empresarial, das encomendas governamentais e da demagogia da oferta imediata de saídas profissionais (que resultarão em pessoas desempregadas 5 anos depois, quando as skills hiper-especializadas morrerem no mercado com os respectivos produtos…). Não admira que quem se vá dar bem contigo seja um certo tipo de gestão e economia, e um certo tipo de sociologia. Acabaste. Agora és outra coisa, que te chamem outra coisa, porra, sei lá, direcção-geral das políticas públicas e dos potenciais secretários de estado de governos socialistas, ou Sociedade Anónima (ou anómica?). Acabaste. E acabaste com Bolonha e com o novo Regime Jurídico do Ensino Superior e com as Fundações e, na investigação, com o triunfo daaudit culture científica. Acabarás certamente ainda mais com o novo Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior, propositadamente deixado para o fim neste processo de reinvenção total, este extreme makeover em que gulosamente te meteste. Acabaste, pronto. Ponto.
Eu cá por mim, sabes, vou continuar a dar o meu máximo e o meu melhor no trabalho com os alunos, nas aulas e nas orientações; vou fazer a minha pesquisa de forma ainda mais autónoma e o menos financiada possível; e é claro que vou continuar a meter-me em iniciativas - só que o mais autónomas possível, quanto mais fora dos teus muros melhor. Aí não vou perder entusiasmo, porque gosto da coisa, é como escrever, pintar, namorar, conviver. Mas lá dentro dos teus muros, agora de empresa, cumprirei os mínimos exigidos pela minha situação de assalariado. Acabou qualquer voluntarismo, espírito associativo, cooperativo, de serviço, de participação. Se é empresa que queres ser, comportar-me-ei como assalariado - e não tenho inclinação para a “cultura de empresa”, para o espírito de corpo, para “vestir a camisola” ou baboseiras tipo campo de férias para empregados. Ou para a treta palaciana e macholas da carreira e do poderzito. Acabou. Acabaste. “Acabámos”. Aqui se separam os nossos caminhos. Votos de grandes lucros e sucessos carreirísticos.
Com os melhores cumprimentos…
Miguel Vale de Almeida, 9-02-2009, n'Os Tempos Que Correm, comentado
Recolha de Maria José Vitorino (11-02-2009)
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009
Essa outra escola (outrora?) pública, a Universidade
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