segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Meter o dedo nas feridas


Todos sabemos que desde a publicação do ECD, há dois anos, os professores estão unidos como nunca estiveram. Isso viu-se nas manifestações dos 100 e dos 120 mil, isso viu-se nas percentagens de adesão às greves, isso vê-se nas moções que se assinam e nas RGPs que se fazem por todo o lado, nos pedidos de demissão de muitos avaliadores e também de alguns presidentes de CE. Está a ser uma batalha dura e lenta, onde a união e a determinação poderão pesar a nosso favor. Inicia-se agora também uma outra frente, que é a da via jurídica. Mas… será verdadeira essa “união”?

Sabemos que se abriu uma grande ferida na nossa luta quando a Plataforma Sindical assinou o tal “Memorando de Entendimento” onde, aliás, logo ficámos a saber os reais motivos que levaram os dirigentes sindicais a tal “entendimento”. Enfim… Claro está que depois tiveram de fazer pela vida, ou melhor, pela sobrevivência, dando o dito por não dito, isto é, o assinado por não-assinado.

Os professores ficaram indignados com o facto de os sindicatos terem pactuado com o ME, mas agora são muitos os que estão à beira de o fazer, individualmente, entregando os OI. Pusemos os sindicatos entre a espada e a parede e agora viramos a espada para nós? Fomos ferozes com os sindicatos quando pactuaram, e vamos nós agora pactuar? Vamos abrir mais uma ferida neste processo? Qual é o sentido de tudo isto?

Entretanto, a mais importante ferida que se abriu está esquecida, talvez por não terem sido ainda devidamente equacionadas as suas consequências futuras. Aconteceu antes do “entendimento”, antes das grandes manifestações, das grandes greves, das moções, das RGPs e dos pedidos de demissão. Trata-se da corrida ao concurso para “professor titular” a que dezenas de milhares de professores se lançaram. Esse importante acontecimento não deve ser esquecido nem desvalorizado. Se entregar os OI é pactuar com o ECD, como muito por aí se proclama, o que se pode dizer da corrida a titular? O concurso para titular, e a sua aceitação, significou entrar no jogo. Foram poucos os que tiveram a hombridade de não ter concorrido, mesmo reunindo condições para tal.

Também é estranho o facto de muitos dos que ficaram como titulares, logo a seguir terem pedido a aposentação, e muitos se terem, de facto, aposentado. Por que razão o fizeram? Por vaidade? Para passarem à frente de outros? Para tirar o lugar àqueles que, assim, ficaram de fora? Apenas para poderem dizer que chegaram a titulares?

Voltando àqueles que ainda cá estão…, afinal como é? Aceita-se o ECD nuns aspectos mas não se aceita noutros? Aceita-se o ECD porque isso trás segurança e mais hipóteses de progressão do que aos não-titulares? Aceita-se o ECD quando isso permite passar à frente de colegas, mesmo não havendo aí qualquer mérito? Mas depois rejeita-se quando se trata de assumir certas responsabilidades a que os titulares são obrigados? Rejeita-se quando se trata de entregar os OI, quando meses antes se aceitou o concurso para titular? Recusar o ECD é recusá-lo no seu todo, e não só naquilo que dá trabalho e traz desvantagens.

Após a reflexão a que as questões anteriores conduzem, tem se meter o dedo na grande ferida, fazendo mais duas perguntas… Tendo sido os primeiros a pactuar com o ECD, estão esses na disposição de prescindir de ser “professor titular”? Estão na disposição de voltar ao lugar que, naturalmente, sempre ocuparam na hierarquia do seu grupo?

Por uma questão de coerência com toda a luta que se seguiu e se continua a travar, e também por uma questão de solidariedade para com os restantes colegas, deviam os titulares pedir, em peso, a anulação desse título. Sem isso, as lutas que agora travamos não fazem o sentido que deviam fazer. Quem, sobretudo estando de fora, olha para uma luta feita nestes moldes só pode concluir que há aqui, no mínimo, falta de seriedade.

Se não fecharmos as feridas que estão abertas e impedirmos que outras se abram, não chegamos a lado nenhum.

António Galrinho
Setúbal

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