quarta-feira, 29 de abril de 2009

12 anos de escolaridade obrigatória: porquê e para quê?


Tocou o bombo a dar novidade: a extensão da escolaridade obrigatória para doze anos.
A medida, a seco, é boa e só peca por tardia. Mas bastam algumas constatações para desfazer a sua “bondade natural”.

A primeira é que a cobertura será feita a expensas do crescimento da oferta profissionalizante no ensino secundário. A segunda é que, se a diversificação da oferta no ensino secundário não é em si um problema, a selecção social que a escola e o poder estão a fazer, através dela, é-o.

Esta é a discussão sempre adiada: o governo do PS instalou uma escola dualizada (entre a escola do “saber” e a do “fazer”) com os cursos de educação e formação e com a oferta profissional no ensino secundário, e parece que não se passa nada. Parece, aliás, que dos especialistas consultados pelo governo só José Alberto Correia alertou que a extensão da escolaridade não significa menos desigualdade social. Stephen Stoer já avisara, há uma década atrás, desfazendo a hipocrisia (1)

É exigência de quem defende a escola pública conhecer os públicos desta formação. Ninguém se espantará, porém, se forem os/as mais desfavorecidos/as, económica, cultural e socialmente.

E já ninguém se espanta porque está na moda empurrar os/as jovens para os CEF, por conta de dificuldades de aprendizagem, e logo no sétimo ano de escolaridade. O poder, e muitas vezes as escolas e os seus decisores internos (a começar pela orientação vocacional) já desistiram dos/as que não são alunos/as-padrão, filhos/as de classe média, com mães escolarizadas e pais bem sucedidos profissionalmente.

Antes das escolas, muitas vezes impotentes com histórias acumuladas de insucesso, já o Ministério da Educação tinha desistido.

É por ter desistido que o “ensejo reformista” ignorou a reforma dos currículos, mantendo os saberes disciplinarizados e atávicos, ignorando a urgência de ligar “saber” e “fazer” como um direito educativo para todas as crianças e jovens. E há quem se queixe de crianças que não sabem fazer recortes, não sabem pegar num pincel, ou não sabem enrolar uma cartolina sem a amolgar…

Por fim, mas não menos importante, a urgência dos doze anos mata dois coelhos: cria espaço mediático em tempos de campanha e adia a entrada dos/as jovens no mercado de trabalho, em tempos de crise. Mas desengane-se quem pense que o governo recebeu uma luz repentina, porque a obra anda a ser preparada há anos: a Agência Nacional para a Qualificação tem dinheiro a rodos para a obra; nos territórios educativos foram empurradas escolas para a “vocação” do ensino profissional - e despejados professores sem formação para a nova realidade - garante-se a fronteira aberta entre os cursos de educação e formação e o ensino secundário profissional, etc., etc.

A confirmar-se o expectável, o governo deste PS faz jus aos compromissos programáticos ao estender a escolaridade obrigatória, mas o preço pode ser a desistência irreversível da qualidade do ensino para todos/as.


[1] “A justificação das políticas de diversificação do secundário não podem, nos dias que correm, sustentar-se numa assumida boa fé de pretender proporcionar aos jovens - sobretudo daqueles que, para utilizar uma expressão já esgrimida em debates semelhantes, a escola parece desistir - uma via de escolarização ao nível de um curso do secundário. As ciências da educação, em geral, e a sociologia da educação, em particular, fornecem material empírico e teórico, e uma massa crítica considerável que vai no sentido de mostrar que quando a diversificação não é um recurso dos alunos, dos estudantes ou das suas famílias, mas um dispositivo do sistema educativo que o usa com vista ao aumento da sua eventual eficácia política e social, a selectividade social da escola aumenta.” ("Gestão Controlada das Desigualdades?", A Página, Novembro de 1999).

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