terça-feira, 7 de abril de 2009

Não é verdade... pensar alguns mitos sobre a escola pública

Em alguns casos, é notória a tentação de olhar para os debates públicos e pensar que se pode encontrar por si só o santo graal da argumentação que dirime a questão de uma vez por todas. Noutros casos, a tendência auto-centrada não está disfarçada de individualismo egocêntrico mas surge através da colocação de fronteiras que nos faz apagar ou esquecer que muitos dos debates em que participamos são mais largos do que parecem, que imitam outros acontecidos noutros tempos ou que estão agora a acontecer noutros lugares.

É, assim, necessária quer a lucidez que nos faça perceber o que os discursos maioritários repetem, porque o fazem e como o fazem em latitudes diferentes, quer a humildade bastante para olhar de frente para o nosso próprio discurso (neste caso minoritário, já lá vamos) e perceber o que ele repete de outras posições já tomadas, para além de perceber o que nele ecoa ainda dessas repetições dos discursos maioritários. Em poucas palavras: analisar pressupostos.

Neste caso, no que diz respeito aos debates sobre a escola pública, aproveito um abaixo-assinado do Estado vizinho (do lado) para levantar os olhos e para perceber semelhanças numa deslocação que é mínima mas que penso ser proveitosa (ou melhor que o foi para mim…). O mesmo pretexto pode ser utilizado também para repensar os pressupostos dos discursos nativos sobre a escola e a educação.

Há um discurso sobre a “crise da escola”, sobre os “males das pedagogias progressistas” e mesmo sobre a natureza dos alunos que temos que se vai instalando, como uma espécie de senso comum em formação que é necessário encarar frontalmente. Porque as “verdades”, de tantas vezes repetidas, ganham tanta evidência que se tornam indiscutíveis reduzindo qualquer análise diferente a uma extravagância.

Vem tudo isto a propósito do “Manifesto Não é Verdade” lançado pela Rede Ires: Rede Investigação e Renovação Escolar um conjunto de professores/as de vários níveis de ensino do Estado Espanhol que procura assim desmontar um conjunto de verdades feitas que consideram infundadas, defendendo (de forma devidamente argumentada) que:

- Não é verdade que predomine nas escolas um modelo pedagógico diferente do tradicional.
- Não é verdade que nas escolas se tenham baixado os níveis de exigência.
- Não é verdade que os alunos e alunas sejam piores do que os de antigamente.
- Não é verdade que os professores e as professoras tenham um excesso de preparação pedagógica e um deficit de preparação em termos de conteúdos.

E defendendo uma alternativa:

“Alguns princípios orientadores da escola que necessitamos são os seguintes:
1. Centrada nos estudantes e no seu desenvolvimento integral (corporal, intelectual, social, prático, emocional e ético).
2. Com conteúdos básicos vinculados a problemáticas relevantes do nosso mundo, Procurando a qualidade frente à quantidade, a integração de matérias em vez da fragmentação.
3. Com metodologias de investigação que promovam aprendizagens concretas e funcionais, ao mesmo tempo que desenvolvam capacidades gerais como a de aprender a aprender. Onde o esforço necessário para aprender tenha sentido.
4. Com recursos didácticos e organizativos modernos e diversificados. Uma escola que utilize de forma inteligente e crítica os meios tecnológicos desta época.
5. Com formas de avaliação formativas e participativas que envolvam todos os implicados (estudantes, docentes, escolas, famílias e administração), que impulsionem a motivação interna para melhorar e que contemplem as pessoas em todas as suas dimensões.
6. Com docentes formados e identificados com a sua profissão. Mediadores críticos do conhecimento. Dispostos ao trabalho cooperativo e em rede. Estimulados para a inovação e a investigação.
7. Com uma proporção razoável de alunos por professor e com professores ajudantes. Com momentos para planificar, avaliar, formar-se e investigar.
8. Com um ambiente acolhedor, onde os tempos, espaços e mobiliário estimulem e respeitem as necessidades e os ritmos dos menores.
9. Impregnada de autonomia em toda a comunidade educativa. Que promova a co-responsabilidade dos alunos. Comprometida com o meio local e global.
10. Autenticamente pública e laica. Com um marco legal mínimo baseado em grandes finalidades e obtido por um amplo consenso político e social.

Não estamos a propor uma utopia. Existem docentes, estudantes, pais e mães que fazem realidade esta escola em muitos lugares, também entre nós. Para que deixem de ser apenas testemunhos isolados, é necessário vontade política, compromisso social e visão a longo prazo, como têm demonstrado outros países. Por isso, frente ao ensino tradicional que padecemos, afirmamos que: Outra escola é necessária, já existe e é possível.”

Reconhecem este tipo de discurso não reconhecem? Não faz mal, nós já sabemos a originalidade está sobre-avaliada e que é bom encontrar razões parecidas com as nossas.

Ler o manifesto completo aqui.
E, para quem queira, assinar aqui.

Carlos Carujo, São Brás de Alportel

1 comentário:

FQ"inquieta" disse...

Óptima informação Carlos Carujo!
Já subscrevi o excelente Manifesto.
Era bom diulgá-lo mais.O teu texto vai ficando lá para trás...desvantagens nos blogues!
abraço
fq