segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Que sentido faz tudo isto?


Caros colegas, quero partilhar convosco duas pequenas reflexões que julgo estão a ocupar as cabeças de muito de nós...

1ª reflexão

Eu, sinceramente, não sei como dar uma previsão de percentagem de sucesso nesta fase, a não ser que indique um valor qualquer, a olho. Ou seja, por outras palavras, a não ser que aldrabe. Mas, confesso que esse não é o meu espírito. Eu tenho quatro turmas, o que até corresponde a quatro níveis e a quatro disciplinas diferentes (sou um sortudo!). Todas as disciplinas são novas para os alunos dessas turmas e só em anos anteriores eu tive uma das turmas (por acaso noutras disciplinas). Nesta altura, em que me estão já a pedir valores, confesso que ainda não sei o nome de metade dos alunos. Ora, como posso eu fazer previsões? Nos segundo e terceiro períodos ainda vá que não vá..., tendo em conta as classificações anteriores e conhecendo os alunos até que se consegue fazer uma estimativa algo sustentada, digamos.

Insisto... Como se pode fazer previões assim? Gostava que alguém me explicasse. Já nem peço que me expliquem para que servem. Tenho muita pena, mas o melhor que eu posso fazer nesta altura, nalguns casos é dizer que prevejo uma taxa de sucesso que há-de estar algures entre os 65 e os 95%, por exemplo. Se fizer doutra maneira não estou a ser honesto. Eu não ensino desonestidade aos meus alunos nem admito que ma peçam a mim.

2ª reflexão:

Eu, quando vou avaliar um aluno através dum trabalho ou dum teste, ou através da sua atitude na aula, estou consciente daquilo que vou fazer porque eu sei e domino os conteúdos e aspectos que lhe vou pedir. Por exemplo, vou-lhe pedir que me mostre conhecimentos dos conteúdos de Geometria Descritiva porque eu domino essas matérias e porque lhe transmiti determinados conhecimentos nessa área. Obviamente, a quantidade e qualidade de conhecimentos assimilados depende de aluno para aluno em virtude de uma série de factores. Que sentido faria se pedissem a um professor de Electricidade para avaliar um teste de um aluno de Contabilidade?

No entanto, os colegas que nos vão avaliar, em muitos casos nada percebem das nossas áreas. Que sentido faz este tipo de avaliação? Será isto legal? (parece que sim) Mas será isto legítimo? Se não é permitido que um professor de Matemática avalie um aluno de Educação Física, como se pode permitir que um professor avalie outro numa área que lhe é desconhecida.
Eu tenho formação para ensinar e avaliar alunos nas disciplinas em que isso me é reconhecido. Que formação têm ou foi dada aos professores que vão avaliar colegas de outras áreas?

Que sentido faz tudo isto? Haja alguém que me explique.

António Galrinho

5 comentários:

Maria José Vitorino disse...

Perguntar é uma boa estratégia, e adiro completamente a estas e outras questões. Sejamos sinceros e verdadeiros, desistindo para sempre de discursos sonsos, enviesados ou conformistas (faço assim porque a AUTORIDADE me disse para fazer... como ninguém medisse paraperguntar, calei-me...). Avaliar, sopesar, apreciar, implica observar conforme medidas-padrão, interiorizadas, adequadas. Em palavras mais ou menos simples, sempre mais simples quando mais sabedoras, que esperamos nós atingir/revelar até ao final do ano lectivo, que se possa agora declarar? Fazermos propostas, desenvolvermos estrategias, verificar resultados, concluir, modificar, voltar a tentar. Conhecer os alunos (nomes e tudo, se possível), as matérias, as dificuldades e agir, interagir. E dar contas, saber cotar como foi e com poderá ser no futuro. Mais, faça a Ministra, e a gente aprende com o exemplo.
Ou querem que inventemos circulares e despachos internos decretando sucesso para todos, médias altas, alegria nos corações e hinos aos Chefes? O ridículo mata, mas leva tanto tempo....
brigadam Galrinho, pelo texto-pretexto

Armindo Sebastião disse...

Não sou professor e respeito muito a vossa profissão. Vendo como vejo o problema uma parte de fora outra pelos olhos dos meus filhos, parece-me que, ao longo dos anos, os professores foram desleixando o que deveria ser intocável: o ensinar e o avaliar. O que vos digo é dito por professores "chegaram-me alunos ao 5º ano ou ao 7º ou ao 10º que não sabem ler ou que não sabem escrever ou que não sabem "fazer contas". Quem os passou no ensino primário? Quem os passou no ciclo? Quem os passou no 9º? Foram os professores. Os meus filhos sempre fizeram os trabalhos de casa e estudavam diariamente e queixavam-se muitas vezes que se perdiam aulas a fazer os TPC por causa de quem não quis fazer. Não é o Ministro que faz isso; são os professores. E agora não querem ser avaliados? Não será a consciência pesada por aquilo que desleixaram e que deveria ser intocável?

Espero que consigam readquirir a dignidade que a vossa profissão merece e que nós pais precisamos.

Maria José Vitorino disse...

A dignidade passa pela coerência. E a coerência pelo sentido que somos cpazes de encontrar no que fazemos diariamente. Isto é válido para a correcção dos tpc, a gestão do tempo nas aulas e em casa, mas também para a aplicação de processos mais complexos, como o da melhoria do desempenho de cada profissional.
Sem nos deixarmos iludir por simulacros de avaliação, sendo capazes de antecipar as consequências de cada medida e posição. Por isso se discute, precisamente porque se avalia. Se quer avaliar, mas já agora a sério, o que realmente conta para a aprendizagem dos alunos e a valia da escola pública.
Claro que podemos sempre ter fé: se declaramos que vamos chegar a Calecut, não interessa nada eu o mar nos mostre uma cpsta diferente. Teimemos, teimemos, chamemos Índia ao Brasil! Depois trazer pimenta é que vão ser elas, mas isso... a quem interssa?

Armindo Sebastião disse...

Li no Jornal de Notícias a notícia sobre a aposentação de muitos professores mesmo com prejuízos financeiros. Como encarregado de educação fico muito preocupado pois estão a sair profissionais experientes. Daqui a quanto tempo teremos outros profissionais com uma experiência equivalente à daqueles que saem?
Se isto se passasse na engenharia civil nos próximos teríamos estradas bem piores e pontes perigosas. Não chega o conhecimento técnico, é preciso sensibilidade, mesmo nas obras públicas, quanto mais no ensino.
Daqui a alguns anos muitos não se vão lembrar destes estragos e volta tudo ao mesmo. O Sr. Cavaco foi primeiro ministro e atacou também o professorado e agora é Presidente e teve apoio de muitos professores.
Se vocês, professores, não têm condições para ensinar a vossa disciplina, os meus filhos não terão condições para aprender a vossa disciplina e isso preocupa-me.

Para bem dos meus filhos, espero que consigam um estatuto melhor.

A primeira obrigação de um estudante é estudar e a do professor é ensinar a sua disciplina. A educação é connosco, os pais.

Maria José Vitorino disse...

Caro Armindo
Foi grato ler as suas palavras, sobretudo pela lucidez quanto as consequencias das aposentações em massa que estão a ocorrer. Também é bom pensarmos nas causas... para que depois não nos esqueçamos que tais efeitos correspondem a determinadas políticas, mesmo que se afirmem com diferentes intenções. Esta política objectivamente está a retirar da "produção" milhares de professores formados, experientes, na casa dos 50-60 anos, e está a fazê-lo da forma mais barata possível para o "patrão" (reformas por metade, e por aí fora). Abrirá assim lugar para mais novos, cada vez mais baratos? Vamos ver.
A que custo nos ficará a todos este modelo "chinês" de gestão da escola pública? Quanto vale o que se perde? Onde e a que preço iremos buscar o que fica a faltar? O exemplo das medidas Thatcher em Ingalterra, há 20 anos, não anima - basta uma voltinha pelos jornais britânicos e pelos anúncios procurando professores pelo mundo fora. Claro que isto não se aplicou a escolas privadas de topo, como as escolas internacionais, mas tal só beneficia um segmento diminuto da população, os "filhos de algo". Para quem acredita na segregação, ok. Para quem repara nos custos dessa segregação pelo mundo fora, ko.

Quanto à dicotomia ensino/educação, fazendo corresponder o professor à "disciplina" e só a isso (leia-se conteúdo científico, ou outro, do que se lecciona), gostava que reflectisse comigom num dadommuitom objectivo: o tempo, por dia, que os jovens e as crianças passam na escola, e oq ue passam em casa (com a família, supõe-se). Muito tempo útil de "educação" ocorre fora de casa, e nesse dia a dia cada um vai aprendendo por múltiplas influências, nem sempre convergentes. O que não é mau, se for acompanhado, e se os vários "mundos educativos" comunicarem, ou, se preferir, os adultos supostamente na "condução" dos diversos contextos de aprendizagem (chame-lhe educar ou ensinar) se entenderem. No que coincidem, no que divregem, mas sobretudo, no que vão sabendo de lidar com um mesmo objecto, aliás nada passivo - as crianças e os jovens.
Que acha?