segunda-feira, 29 de junho de 2009

Onde está a avaliação contínua?


A questão dos exames nacionais tem tanto de velho como de injusto. Todos os anos, milhares de estudantes realizam uma série de provas de âmbito nacional, com vista à conclusão do ensino secundário. Contrariando todos os modelos de avaliação contínua (propagandeados, na teoria, pelo próprio Ministério da Educação) e desafiando os critérios pedagógicos, a nota do exame tem o mesmo valor que a da frequência do secundário. Simplificando, quer isto dizer que o desempenho de um aluno durante as duas horas e meia que dura a prova é posto em pé de igualdade com o trabalho que um aluno fez durante três anos. O melhor que se pode dizer é que os exames nacionais potenciam situações injustas.

Dizem os defensores dos exames nacionais que estes se caracterizam pela sua homogeneidade em todo o país, em nome da "igualdade de oportunidades" e da "imparcialidade das várias escolas”. Esquecem-se, porém, de que o país não é homogéneo. Ou seja, temos uma mesma prova de exame – que, recorde-se, vale metade da nota de entrada na faculdade – para realidades sociais, culturais e económicas completamente diferentes. Vejamos um exemplo: no último ranking oficial do Ministério, uma das escolas que ficou pior posicionada foi a Azevedo Neves, na Cova da Moura (Damaia). Nesta escola, a esmagadora maioria dos alunos são imigrantes ou filhos de imigrantes, que não têm o português como língua materna. Mais uma vez, aqui se nota que aquilo que era supostamente uma prova uniformizadora acaba, ela mesma, por criar, veicular e agravar desigualdades sociais de partida.

A lei da concorrência, pilar fundamental do neoliberalismo, faz-se sentir também na educação. Esta exclui qualquer possibilidade de opinião crítica e desviante da considerada correcta e privilegia o “sucesso escolar” – obtido a qualquer custo –, em detrimento dos conhecimentos e das competências pessoais e pedagógicas adquiridas. Não basta ir à escola; é preciso ter "sucesso escolar". Para isso, contribuem uma série de factores socioeconómicos e culturais. As aprendizagens que as crianças e jovens fazem fora da escola, na rua, não são valorizadas pelo sistema de ensino. As crianças da Azevedo Neves são, muito provavelmente, sobredotadas para a luta pela sobrevivência em condições adversas, mas subdotadas para as competências exigidas na sala de aula. Ou será o sistema de ensino subdotado de métodos e conteúdos que se adeqúem à vida daqueles estudantes?

E, se dúvidas houvessem sobre a urgência das mudanças estruturais na nossa escola pública, os resultados desfazem qualquer eventual equívoco. Ano após ano, as desigualdades estão bem presentes nos resultados dos exames – com uma clara superioridade do ensino privado sobre o ensino público, das escolas do litoral sobre as escolas do interior, das escolas dos grandes centros urbanos sobre as escolas das zonas rurais... Para comprovar isto, basta dizer que em Portugal 75% dos filhos de pobres são, também eles, pobres. A juntar a isto, há que referir que a taxa de abandono escolar é de 39% (contra os 15% da média da União Europeia). A primeira conclusão a tirar destes números é a de que o sistema de ensino falha naquela que deveria ser a sua prioridade: abrir espaços de formação para os alunos, combatendo os problemas sociais de raiz.

Verdade seja dita, os rankings nacionais das escolas têm também a sua utilidade: mais não seja, a de mostrar que importantes mudanças estruturais são necessárias... e urgentes. Não podem é apenas servir para ser notícia de abertura de telejornais, num processo de punição e culpabilização de professores e alunos. Hoje, mais do que nunca, dizemos que uma escola democrática tem que assumir os alunos como prioridade. Sem excepções.

João Curvêlo

Sem comentários: