segunda-feira, 11 de maio de 2009

As crianças e as competências tecnológicas


Este texto começou por ser um comentário ao post ‘Para Pais & Educadores: Magalhães – urgente saber’, mas dado que a questão é polémica e necessita de uma reflexão um pouco mais aprofundada e um sério debate, aqui fica, mais visível, como eventual ponto de partida para essa discussão.

Estou em absoluto desacordo com as premissas e as conclusões deste artigo. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa:

- é com certeza ética e politicamente inaceitável colocar servidores do Estado na posição de vendedores locais ou caixeiros viajantes de empresas privadas de hard e software;

- é igualmente inaceitável sobrecarregar (mais uma vez) os professores com tarefas administrativas, afastando-os (mais uma vez...) da sua principal função;

- mas nada disto tem a ver com as questões pedagógicas e de desenvolvimento emocional das crianças, nem com as virtudes ou malefícios da sua «exposição prematura» a «programas audiovisuais, computadores, vídeos, etc.»

Qualquer criança, cuja família tenha as mínimas condições económicas e sociais para tal, já foi, aos seis anos de idade, 'exposta' (passe a ironia) às micro-ondas dos micro-ondas, às tele-ondas dos telemóveis, às mais diversas influências das mais variadas videotecas, às mais variadas violências dos telejornais diários. E, last but not the least, ao manuseamento do(de um dos) computador(es) lá de casa, bem como a acessos à internet.

E aí é que está a questão. Em minha opinião, as competências tecnológicas que as crianças agora podem desenvolver e os desafios totalmente novos que se nos colocam na sua educação provocam grandes fracturas não apenas intergeracionais (de facto, há entre nós pais e avós e as novas gerações um gap muito mais acentuado, do que entre quaisquer gerações anteriores) mas também intrageracionais, que irão ter fortíssimas e gravíssimas consequências no futuro dos actuais alunos (isso já é visível, bem visível, nos jovens mais velhos, que claramente divergem em perspectivas de vida, conforme adquiriram ou não competências na busca da informação e na utilização das novas ferramentas ao seu dispor, para a encontrar e triar).

Não é qualquer vaga pedagogia Waldorf nem declarações mais ou menos inflamadas sobre «a fascinação enfermiça e obsessionada com a nova tecnologia, esvaziada de valores éticos e morais» (e quais, pergunto eu...) que resolve a questão de fundo: os miúdos com famílias que têm condições económicas e sociais têm acesso às tecnologias e aqueles cujas famílias não podem ou não sabem dar-lhes essa possibilidade de acesso ficam excluídos das vantagens que elas trazem.

Por isso, por muito que discorde da política educativa deste governo e por mais que discorde do método, não posso colocar-me assim contra medidas que tendam a democratizar esse acesso às referidas vantagens das tecnologias.

E as desvantagens? Claro que as há. É difícil conseguir manter um equilíbrio entre o virtual e o real na vida das nossas crianças? Às vezes é. É difícil exercer a necessária vigilância e ajudar as crianças a utilizar as tecnologias de uma forma crítica? Claro que é! Mas isso resulta das nossas próprias incapacidades de adultos e não do facto dessas tecnologias serem um eventual instrumento de um qualquer, terrível e incontrolável ‘Mal’.

Preocupemo-nos então, como adultos educadores, com a aquisição dos conhecimentos para os ajudar e exerçamos a nossa capacidade crítica para impedir que a escola fique centrada nos novos instrumentos e que desenvolva com qualidade o tal necessário «contacto humano entre professores e alunos» e que veja a floresta, não só a árvore.

Helena Dias

2 comentários:

Maria José Vitorino disse...

Temos mesmo de aprofundar conceitos, para nos entendermos. Concordo contigo, Helena.
1. Concordo contigo,Helena, na percepção de que a Brecha Digital é geracional, e temos de encarar os desafios da literacia em imersão de computadores/Telemóveis/televisão.
Sugiro esta leitura: http://www.marcprensky.com/writing/Prensky%20-%20Digital%20Natives,%20Digital%20Immigrants%20-%20Part1.pdf

2.Também aqui a antiga questão da igualdade de acesso não se resolve com brindes (toda a gente pode TER, mas apenas alguns sabem UTILIZAR, por isso CONSUMIR não é USAR, re-produzir não é criar).

3. a estratégia Magalhães em curso é lamentável, não por colocar computadores nas mãos das crianças, mas por o fazer com absoluto desprezo sobre a criação de condições reais de aprendizagem por parte de todos os alunos, confundindo a ferramenta com o saber; de passagem, associa balbúrdias várias, negociatas menores ao jeito sonso habitual - como a das chamadas de valor acrescentado para o helpdesk - actos que não combatem (e até podem agravar) o alheamento objectivo de grande parte da "escola lusa" face a tecnologias que impregnam o nosso conhecimento, e que continuam a exigir que saibamos garantir o desenvolvimento dos saberes (o ler, o escrever, o contar, o desenhar, o ouvir, o pensar...) também com o acesso CAPAZ, CRÍTICO E APOIADO a essas tecnologias, de todos os meninos e meninas (se os queremos em democracia!)

Discordo apenas na tua apreciação da pedagogia Waldorf, que tem seguidores e detractores, mas não é vaga.

Helena disse...

Comecemos pela pedagogia Waldorf:
Eu não quis dizer que ela é vaga, mas antes que a forma como ela é abordada no artigo é vaga. Não aplaudo absolutamente a sua aplicação, até porque a sua utilização por religiões e outras correntes espiritualistas me incomoda, mas aceito que a educação deve ser holística e integradora, deveria envolver pais e educadores em harmonia (se a vida fosse harmónica e o mundo o permitisse) e deveria desenvolver o ser humano em todas as suas potencialidades. Deveria...

Quanto aos computadores, internet, quaisquer meios tecnológicos, concordo com o que dizes.

O que me incomodou no artigo que provocou esta opinião aqui expressa foi a convicção que ele me deixou que estamos a dizer coisas profundamente erradas, porque estamos zangados contra tudo. Temos que fazer um esforço para ver para além desse fosso que as tecnologias podem criar e, mais do que tudo, não nos pormos a lutar contra moínhos que podem ser preciosos, já que precisamos de pão...