sexta-feira, 15 de maio de 2009

O país do “Faz de Conta”


Já não nos bastava a cruzada autoritária e intimidatória do governo sobre escolas, professores e alunos. Agora, já não tanto da responsabilidade do governo, mas sim de alguns deputados, de alguns presidentes de conselhos executivos e do senhor Albino da Confap, assitimos a uma vaga conservadora, em defesa da moral e dos bons costumes.

Primeiro foi a polémica em torno dos preservativos. Ao que parece o projecto de lei do PS sobre educação sexual nas escolas prevê a constituição de gabientes nas escolas que têm a responsabilidade de informar e esclarecer dúvidas dos alunos, além de poderem distribuir gratuitamente preservativos. A Ministra da Educação preferiu não comentar, talvez porque não concorde com a medida e tenha esperança que ela não vá para a frente.
Alguns deputados do PS também se mostraram contra a proposta, com destaque para Maria de Belém, argumentando que essa é uma responsabilidade dos centros de saúde.

Só nos centros de saúde? Mas quantos jovens vão aos centros de saúde buscar pílulas ou preservativos? Não são muitos. Ou porque desconhecem esse direito, ou porque acham que não vale a pena “chatearem-se com isso”. É na escola que os jovens passam grande parte do seu tempo. É lá que aprendem: a matemática, o português, a biologia e tantas coisas da vida, com os colegas e os professores. É por isso lá, na escola, que se deve aprender também sobre doenças sexualmente transmissíveis, o sexo e o prazer, as diferentes orientações sexuais e princípios básicos de respeito e não discriminação, os métodos contraceptivos, etc. E é lá, na escola, que devem ser também disponibilizados os preservativos. Sim, preservativos. Qual é o problema? A sexualidade é um direito dos jovens e devem ter todas as condições para a exercer de forma segura e responsável. Tapar os olhos e pensar que os jovens não fazem sexo não resulta e é irresponsável. Não se pode negar a sexualidade dos jovens. Além de castradora, é uma visão perigosa e cúmplice da situação actual: portugal é o segundo país da europa com a maior taxa de gravidez na adolescência.

E depois o vestuário. Já não bastava o Conselho executivo da escola de Pinhal Novo
proibir minissaias, decotes e calças descaídas, e temos logo que levar com o senhor Albino, que está como peixe na água nestas coisas de conservadorismo e puritanismo, a não perder tempo para propor o regresso aos uniformes nas escolas. E argumenta com duas razões: acabam-se os decotes e as minissaias (sim, porque os jovens não têm direito ao seu próprio corpo) e esbatem-se as desigualdades sociais. Se a primeira razão é obviamente ridícula e nem merece comentário, já a segunda pode levar os mais desatentos a simpatizar com a medida.

Mas basta recordar que no tempo do Estado Novo, os tais uniformes não serviam nenhuma ideologia da igualdade. Serviam sim para esconder a desigualdade, para esconder a pobreza, e para vivermos todos num mundo do "Faz de Conta" que na verdade continuava a reproduzir a desigualdade e a pobreza, sem a questionar. O "Faz de Conta" parece ser ainda o mundo do senhor Albino: "Faz de Conta" que os jovens não têm sexo, "Faz de Conta" que não existem desigualdades sociais nem pobreza. É a posição mais confortável: fechar os olhos à vida para não a enfrentar.

Miguel Reis, Movimento Escola Pública

Sem comentários: