sexta-feira, 22 de maio de 2009

O problema do costume


Há muitos anos que ouvimos declarações bondosas sobre a necessidade da educação sexual. Descontando a irresponsabilidade do Papa nas declarações que fez sobre preservativos, ouvimos sempre que é preciso promover mais informação e mais discussão sobre o assunto.

Foi assim em todas as discussões sobre aborto: todos queriam "educação sexual" e uma aposta "na informação e contracepção". Foi assim quando se discutiu a "pílula do dia seguinte": todos diziam que, antes de mais, era preciso apostar na prevenção, e portanto na promoção do uso do preservativo. É assim sempre que sai um novo estudo sobre as práticas sexuais dos jovens, porque cada novo estudo confirma que são os jovens quem mais contribui para os novos casos de sida e que há uma percentagem demasiado grande de jovens que não utiliza preservativo nas suas primeiras relações sexuais. Na verdade, o preservativo é sempre muito importante e gera sempre todos os consensos até chegar a hora da verdade: a hora em que é preciso decidir e ser consequente.

O que se tem passado com a discussão da Educação Sexual é um bom exemplo deste paradoxo. O Bloco propôs uma lei, rapidamente chumbada pela maioria do Parlamento, que era corajosa: queríamos uma área curricular, queríamos uma bolsa de profissionais por cada agrupamento de escola e queríamos gabinetes a funcionar, com atendimento desses profissionais e com distribuição de contraceptivos. Era uma questão de responsabilidade.

O PS anunciou, pela voz dos seus jotas, um projecto "corajoso e inovador." Mas o caminho que a sua discussão tem levado já dá para perceber como vai acabar o filme.

Onde era preciso haver investimento em profissionais novos a assumir esta responsabilidade, insiste-se na sobrecarga dos professores que já têm outras funções na escola e no empurrar de responsabilidades para os "técnicos de saúde". Onde era preciso assegurar um horário onde a discussão acontecesse e a informação existisse, dilui-se na imposição de algumas horas distribuídas por outras disciplinas e áreas curriculares - e, claro, facultativas para os colégios católicos (Santos Silva dixit, como se os estudantes dessas escolas precisassem menos de protecção e informação que os outros jovens). Onde era preciso coragem para combater as vozes conservadoras que sempre se opõem à informação e o paternalismo dos que acham que os jovens não podem ter acesso a preservativos sem que isso seja acompanhado de uma lição de moral, existe no PS tibieza e recuo. Dizer que haverá preservativos nas escolas quando houver nas escolas técnicos de saúde é atirar essa escolha para as calendas - para que fique tudo exactamente como está. É uma solução que agradrá a hierarquia da Igreja e o PSD.

É pena. Porque é preciso encarar a realidade e ser sensato. Os jovens do secundário já têm, na sua maioria, uma vida sexual. E promover o contacto com os preservativos, método essencial de contracepção e de prevenção de doenças, é uma prioridade. É preciso que o preservativo seja uma coisa normal e que pôr o preservativo seja uma parte excitante e divertida do jogo sexual. É preciso, claro, que o preservativo se torne banal. Sem isso, continuaremos a lamentar hipocritamente as DST, a incidência da sida nos jovens e a gravidez na adolescência, ao mesmo tempo que ouviremos as vozes de sempre a dizer que a única solução é impor uma moral particular ou apelar (pregando no deserto) à abstinência.

Por momentos, chegou a parecer que alguma coisa ia acontecer na educação sexual em Portugal e que esta era a hora da coragem. Mas foi sol de pouca dura... O projecto dos deputados da JS deixava muito a desejar, mas pelo menos dava pequenos passos. Só que trazia consigo o problema de sempre: a maioria do PS e as suas crónicas hesitações. É também esse problema que precisamos de resolver.

Artigo de José Soeiro, publicado em esquerda.net

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