segunda-feira, 25 de maio de 2009

Calções, curtos, alsas e mini-saias...


Recordo, com nostalgia, a minha bata branca da escola primária. A verdade é que tendo feito a escola primária num país africano, dava imenso jeito ter apenas uma bata para vestir e não ter nunca que pensar que roupa ia levar. Não senti que tal uniforme afectasse a construção da minha identidade, mas também não defendo o uniforme com o argumento de que o seu uso corrente nas escolas públicas tornaria todos iguais. Não é, nem será nunca uma bata branca ou qualquer uniforme que nos torna iguais, tal igualdade é apenas uma aparência. De facto os materiais que se guardam na mochila, os pequenos adereços, o modo de chegar à escola, a quantidade de dinheiro que se leva na carteira; são alguns dos muitos aspectos que poderia referir para evidenciar que há muitas formas de distinguir uma classe socioeconómica de pertença de uma criança/adolescente. A roupa que se leva para a escola, não me é, contudo, indiferente, mas temos que analisar a questão tanto do ponto de vista do ofício do professor como do ofício do aluno, uma vez que do ponto de vista social se trata do mesmo lugar para ambos.

Sabemos todos que a roupa é uma forma de expressão e comunicação, e não só da identidade que cada um quer revelar, como de rituais sociais que marcam lugares e modos sociais de ser e de estar. O uso criterioso de certos adereços, como uma gravata, a ida ao cabeleireiro em dias determinados, as pinturas no rosto,… são sinais de uma sociedade que sempre se construiu sob alguns rituais. E a socialização passa largamente pela interpretação desses sinais do que nos rodeia, pela capacidade de se situar face aos demais, de perceber o que é adequado e não é, em cada contexto. E, é verdade que como em tudo o que é social, há marcas de manutenção desses rituais e marcas de mudança desses padrões, caso contrário as mulheres ainda usariam espartilhos e não poderiam mostrar o tornozelo. A verdade é que sempre se calçou chinelos para ir à praia, mas só muito recentemente os miúdos os levam para a escola. É bom, é mau? Deve a escola regular o uso do vestuário das crianças e jovens? Poderá essa regulação constituir uma ameaça à liberdade individual de cada um? Poderá afectar a expressão da identidade do que cada um é e quer ser?

Conheci este tema antes de ser motivo de notícia, pela repreensão informal que foi feita a uma criança dos meus círculos familiares. De facto, num dia de mais calor ela andava de t-shirt na escola, tendo uma professora achado que tal indumentária não se adequava ao mês de Março, e fez-lhe um comentário desagradável que basicamente a acusava (a ela e às outras) de só se querer exibir. Ora todos sabemos que a adolescência parece ser acompanhada de um certo aumento da temperatura do corpo, não sei se isto é uma verdade científica, mas sei que os miúdos entre os 12 e os 18 parecem ter consideravelmente menos frio que os adultos e estão sempre prontos para não levar com eles os casacos.

Fiquei depois a saber que o uso de alças, saias curtas e calções se encontrava proibido no regulamento interno dessa escola (não foi a que foi alvo da notícia), mas como dizia a dita miúda: ninguém ligava. Compreendo os professores, até porque já fui confrontada com situações complexas do ponto de vista do vestuário, nomeadamente em situações de estágio, em que a idade dos alunos era outra e recomendava, portanto, outra consciência face ao uso da indumentária. Compreendo que ter miúdos de chinelos e calções na sala de aula nos dê a imagem de que ir para a praia e ir para a escola é, para eles, uma e a mesma coisa. Num crescente dessacralizar da escola como instituição social tudo nos parece ser mais uma coisa que pode ser entendida como um contributo para tal e a tentação de estabelecer limites é grande. E penso que sim, que deve haver limites, aliás as calças de cintura descaída e o uso precoce de pinturas no rosto são questões que têm sido alvo de algum proibicionismo, mesmo em países que se reclamam muito ciosos da liberdade individual, tal como nos Estados Unidos. Mas o modo como a regra se constrói é muito importante. E deve ser em diálogo com as crianças e os jovens que tal se faz, explicando nomeadamente que a roupa deve ser adaptada ao contexto em que estamos. Ensiná-los a compreender as regras sociais é uma tarefa básica da socialização, mas se tais regras forem excessivamente restritivas, depressa se tornaram tão absurdas como se tornaram os espartilhos. Convém pois usar o bom senso, o diálogo com os jovens e a construção com eles das regras que dizem respeito ao uso do vestuário, acentuando as diferenças que existem entre a escola e os outros locais, nomeadamente os de lazer. Dito isto parece-me um exagero proibir as alças quando sabemos que em Portugal pode fazer muito calor em Maio e Junho. Dito isto é preciso também dizer que o que se proíbe às crianças deve ser também interdito aos adultos e que por isso convém perceber com cuidado o que se acha bem e mal.

E sobretudo, que isto não se faça acentuando um lado pudico e moralista, como se fosse a pele exposta o motivo da indignação. Mais grave ainda, que não se atribua aos miúdos suspeitas de um exibicionismo sensual, como se a sua intenção fosse apenas a sedução. É caso para dizer que tais atribuições estão muitas vezes na cabeça de quem as faz e que os jovens têm uma naturalidade no modo como usam os calções e as mini saias que salvo raras excepções, não têm tal intenção de sedução. Uma sociedade proibicionista nunca é construtiva da própria liberdade, ela não ajuda os indivíduos a compreender a regra, só os ensina que serão sancionados se não as cumprirem. Não sei, portanto se há sequer necessidade de contemplar nos regulamentos de escola regras relativas ao vestuário, tendo mais a pensar que caso se veja necessidade se pode falar com as crianças e jovens sobre este assunto, usando, por exemplo, a aula de Formação Cívica, a direcção de turma, ou se considerado um problema mais grave e claramente identificado, um tutor.

A verdade é que a moda é nisto um factor de influência importante e que qualquer adolescente nos últimos anos dificilmente conseguiria comprar umas calças sem cintura descaída. Convém pois que as críticas sejam ponderadas face também a essas circunstâncias, pois se a escola não é um lugar qualquer, também não poderá ser um lugar indiferente ao mundo e fechado sobre si próprio.

23 de Maio 2008

Artigo de Clara Cibele, em
escola.info

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