terça-feira, 19 de maio de 2009

Desperdício


Comecei hoje a escrevinhar umas linhas promissoras sobre o debate em torno da educação sexual, que está agora em discussão na AR - tema importante (a que prometo voltar...) - mas abandonei o texto a meio. O "tema do dia " na educação revelou ser outro. Não queria deixar passar o rebuliço mediático sem esboçar algumas ideias sobre o assunto - e o assunto é, obviamente, a gravação áudio da "aula" de uma professora de História, em Espinho.

Primeira reacção: confesso que acho o comportamento da professora aterrador. Bem sei que o som foi cortado, que ouço frases sem contextualização. Certo. Mas nada, nada justifica o tom, o método retórico e o conteúdo desproporcionado e desadequado da professora.

Segundo, é difícil fazer um debate sério sobre a crise e os desafios que se colocam à escola pública quando somos sucessivamente colocados perante a mediatização distorcida do quotidiano da escola pública - a Escola só tornada visível no espaço político nos seus aspectos extremos e inusuais (o caso do telemóvel, os casos de violência contra professores).

Terceiro, parece que estamos sempre perante a generalização abusiva da excepção e o silêncio sobre os problemas estruturais. Isto é, creio que este caso é excepcional dado o desvario do discurso da professora (ou seja, não é um caso de falta de profissionalismo, é antes um caso de desadequação total para as funções). Este não deve, portanto, servir de indicador para discutir o problema da qualidade profissional dos docentes da escola pública. Mas a verdade é que a qualidade da formação dos professores - científica e pedagógica - é um problema, e deve ser discutido seriamente.

Concluindo: este caso merece discussão no espaço público porque revela falhas graves da escola pública. Simultaneamente, a sua divulgação parece encandear o campo político da educação e distorce a visão que a opinião pública tem da escola.

Atrever-me-ia a dizer que, medidas as devidas proporções, o modelo de avaliação proposto pelo ME provocou algo semelhante: quis colocar sobre os professores a "culpa" dos problemas do sistema educativo, e nunca cuidou de trabalhar para a qualificação dos professores. Distorceu o debate, e por isso impediu a discussão dos reais problemas.

Quatro anos de governação e fica esta sensação - desperdício. Parece que estamos sempre a repetir discussões espúrias, e há tanto que fica por fazer.

Ana Drago, deputada do Bloco de Esquerda, no blogue “
Passos Perdidos da Educação”, do Expresso

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