quinta-feira, 3 de abril de 2008

Com a voz ainda na garganta, venha ao Chiado amanhã

Poesia anima a pensar. E a escrever. Textos inspirados no célebre poema de Brecht

Primeiro, vieram e levaram os alunos com deficiência.Mas eu não me importei, porque até acho que eles estariam melhor em casa ou em instituições próprias.
Depois, vieram e levaram as crianças ciganas.Mas eu também não me importei, porque até acho que a etnia cigana é estruturalmente avessa à escola.
Depois vieram e levaram os filhos dos imigrantes.Mas, por que me havia eu de importar, se até acho que a escola portuguesa, a eles, nada lhes diz?...
Mais tarde, levaram os filhos dos trabalhadores.Mas eu tão pouco me importei. Sou daqueles que pensam que este País tem doutores a mais.
Depois… bom, depois… fecharam a minha escola. Os poucos alunos que ainda tinha preferiram o colégio ali ao lado. E eu só dei conta, quando me chamaram para me dizer: "és um incompetente! Estás despedido!"
E, quando percebi, já era tarde de mais.


Serrano, J. A sala de aula : porta para a realidade… in Rodrigues, D. e Magalhães, M. B. Aprender Juntos para Aprender Melhor (2007). Fac. Mot. Humana, raptado do Forum para a Educação Inclusiva (2008), que vem tomando posições sobre o DL 3/2008 (alunos com Necessidades Educativas Especiais)
Primeiro eles vieram e passaram os funcionários auxiliares para a tutela das câmaras municipais. Eu, como era professor, não me importei.
Amanhã eles virão, passarão por cima de concursos nacionais e entregarão a tutela dos professores às mesmas câmaras. Aí, eu já fui visado e era demasiado tarde para protestar.
Ainda por cima eu não tinha moral para o fazer. Tinha deixado que fizessem o mesmo com os outros funcionários públicos.
Já agora, o original inspirador
Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Mas como tenho meu emprego
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.

Bertolt Brecht
(1898-1956)
E antes dele, genial, Maiakovski:

Na primeira noite eles se aproximam,
colhem uma flor de nosso jardim
e não dizemos nada.

Na segunda noite já não se escondem:
pisam nas flores, matam nosso cão
e não dizemos nada.

Até que um dia o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a lua e, conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta,
e porque não dissemos nada,
já não podemos dizer mais nada.
(início do séc. XX)

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