quinta-feira, 10 de abril de 2008

Mentiras e meias verdades


AS MENTIRAS E MEIAS VERDADES QUE TENTAM JUSTIFICAR PERANTE A OPINIÃO PÚBLICA OS ATAQUES DO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (ME) À CLASSE DOCENTE, OS QUAIS ENCOBREM UM ATAQUE AO ENSINO PÚBLICO

1- A carreira docente, como qualquer carreira, deverá ter escalões superiores, de acesso limitado, aos quais apenas deverão aceder os melhores.

O afunilamento da carreira docente nada tem que ver com a melhoria da qualidade de ensino, embora seja deste modo que o ME o justifica. Partindo do princípio de que o sistema de avaliação anteriormente em vigor conduzia todos os docentes ao último escalão da respectiva carreira e considerando que isso impedia um apuramento da qualidade, o ME, em vez de refinar o modelo de avaliação dos docentes, impede a maioria de ascender ao topo, afunilando a carreira nos três escalões finais. Por razões pedagógicas? Claro que não. Trata-se de razões financeiras. Como se se tratasse de um escândalo sem paralelo (será mesmo sem paralelo?) a hipótese de todos atingirem o topo da carreira! Mas não assumindo a intenção financeira da medida, o ME e o governo propalaram a ideia de que o problema era a falta de avaliação dos professores. Uma mentira mil vezes repetida, uma vez que os professores de há muito que são avaliados. Assim, duma assentada afunilam a carreira impedindo a maioria de atingir o topo, fazem crer que os professores não querem ser avaliados e que a avaliação que agora impõem é a única que pode melhorar o sistema educativo. Como se verá a seguir, a avaliação é poeira para os olhos. O que o governo quer mesmo é:

a) reduzir as despesas salariais
b) desinvestir no ensino público

Impedindo a maioria dos docentes de ascenderem aos escalões finais o ME terá o mesmo trabalho com menos despesa. Com a mesma qualidade?

Não obstante a mensagem oficial misturar o novo ECD e a nova avaliação docente com qualidade do ensino, esta tenderá a degradar-se, pois que as medidas tomadas apenas agravarão as condições de exercício da actividade docente e, em nada, beliscam as razões profundas do insucesso escolar. Impedir que todos progridam na carreira não traz, obviamente, nenhum valor acrescentado à qualidade do ensino, nem acompanhado de outras medidas nas quais se incluem o novo modelo avaliativo dos docentes e o novo estatuto do aluno. Enquanto o estatuto do aluno desvaloriza o empenhamento do aluno na escola, a avaliação docente castiga os professores pelo abandono escolar e pela taxa de insucesso discente. A falta de seriedade destas medidas mede-se pelo seu sistema de aplicação que “garante” à partida níveis de sucesso que cada escola, cada disciplina, cada docente têm de alcançar. Como o objectivo é garantido antecipadamente, responsabilizando e penalizando na sua carreira o professor que o não atinge, o convite para o «sucesso estatístico» está lançado e só quem não tema prejuízos na avaliação lhe será indiferente. Como se percebe, aqui não há qualquer medida de fundo contra o insucesso. Apenas uma mera estratégia contabilista, gizada contra a dignidade dos professores enquanto avaliadores.

Com um sucesso de pacotilha instalado na escola pública, está aberto o caminho ao ensino alternativo, não público, que tenha níveis sérios de exigência. Assim se irá tirando o Estado da obrigação do ensino para todos. Assim se poupam uns cobres às finanças públicas e se aumentam as desigualdades sociais.

A aplicação integral deste plano será claramente visível quando forem suspensos os exames nacionais do ensino secundário e apenas seja exigido um exame de acesso ao ensino superior. É que o facilitismo que esta política educativa promove não será compatível com a exigência de exames nacionais, embora numa primeira fase, ainda se venha a assistir a tentativas de conciliação através de exames com cada vez menor grau de exigência. Depois, e não obstante este esforço de conciliar manipulação de dados e seriedade, alguém concluirá naturalmente que o melhor é acabar de vez com esses exames.

Ao exame de acesso ao ensino superior, concorrerão naturalmente os alunos que frequentaram escolas que os prepararam efectivamente para esse fim. A escola pública, por seu lado, gerirá o exército dos desmotivados e socialmente desvalidos. Contribuirá, pois, para agravar o fosso social.

2- A avaliação dos docentes é necessária para a melhoria do ensino público.
Eis uma verdade que, esgrimida pelo poder do modo que foi, se tornou uma mistificação. Assim, o poder deu a entender, quando não o afirmou taxativamente, se bem que erroneamente, que:
a)os professores não eram objecto de qualquer avaliação
b) os professores rejeitam qualquer avaliação
c) a nova avaliação imposta era a avaliação necessária e a única desejável para o objectivo da melhoria do ensino.

Sobre a), basta referir que este modelo avaliativo é já o terceiro da série.
Sobre b), recordar que os professores não podiam subir de escalão sem se submeterem a uma avaliação e nela serem aprovados.
Mas sobre a excelência do novo modelo de avaliação (alínea c)) valerá a pena analisarmos alguns aspectos desse modelo. Por exemplo, a figura do avaliador e as suas condições de avaliação. O avaliador, no novo modelo, é, em primeiro lugar, o Coordenador de Departamento. Quem o reconhece como avaliador? O gestor da escola, por inerência de funções do cargo, segundo o novo diploma de gestão escolar. Que formação tem o avaliador para essa função? Nenhuma. Apenas o facto ser escolhido pelo gestor e de um D-Lei lhe atribuir essa responsabilidade. Porém, mesmo que esteja habilitado para essa função, em que condições a exercerá? Pois bem, num quadro em que ele mesmo é parte interessada. Vejamos: o coordenador/avaliador pertence à mesma carreira do avaliado, estando pois condicionado no acesso aos últimos escalões da carreira docente, pelo que uma proposta de avaliação, que seja superior à sua própria, pode colocar o avaliado em posição vantajosa para acesso à promoção, relegando o avaliador para um plano secundário. Podemos imaginar os efeitos deste condicionalismo.

Assim, podemos com boas razões supor que a “avaliação dos pares” (tão enfatizada pela ministra) é um presente envenenado às escolas, feito pelo ME que, além do mais, lava daí as suas mãos. Mas se o processo avaliativo não for muito sério (e não se vê qual é a seriedade quando se impõe limites numerários para a classificação de Excelente e Muito Bom) e se, portanto, as exigências ligadas à observação de aulas, formação, etc., não tiverem qualquer peso, que restará?

Pois resta aquilo que pode ser claramente mensurado que são os resultados escolares dos alunos. Ou seja, o ME consegue a quadratura do círculo: põe a escola a suportar as agruras de uma avaliação de faz de conta, conseguindo fazer com que os docentes sejam os primeiros interessados em garantir o tal sucesso estatístico, que embandeirará os balanços governativos.

Aliás, é esta a única razão visível para a trapalhice criada com a introdução do novo modelo de avaliação a todo o vapor, durante o ano lectivo de 2007/08. É que em 2009 há eleições! É preciso apresentar resultados de «sucesso»!

Basta pois atentar neste “modus operandi” para perceber que este modelo é uma extensa nuvem de fumo que pretende ofuscar o objectivo último de descredibilizar o ensino público. Não se melhorará um nadinha o ensino público, mas uma campanha de mistificação que tem vindo a ser muito bem gerida, garantirá sucessos ilusórios e retirará, pouco a pouco, o Estado das suas obrigações na educação. Pior era impossível!

Abril de 2008

Luís Ladeira
Professor

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