segunda-feira, 7 de abril de 2008

QUESTÃO DE FUNDO


A avaliação do desempenho dos profissionais da educação: qual a questão de fundo?

Para que seja possível operacionalizar este princípio, tem-se como indispensável a existência de duas condições: a primeira é que a natureza da carreira seja formalmente a mesma e a segunda, que todos os profissionais possam aceder a ela, desde que satisfaçam no plano profissional, isto é, do ponto de vista da qualidade do trabalho produzido, as condições exigidas para a respectiva progressão. Ora, o que parece estar em causa no confronto a que vimos assistindo é, justamente, a alteração destas condições.


Na verdade, a finalidade máxima da avaliação já não tem como primeira preocupação assegurar a correspondência entre a qualidade do trabalho produzido e a qualidade da carreira, mas, antes, controlar administrativamente o acesso a determinados patamares profissionais, tendo em
vista a obediência a critérios económicos e financeiros. Subsidiariamente, associa-se a esse controlo administrativo uma alteração do perfil profissional dos docentes contemplados, uma vez que passam a caber-lhes funções eminentemente técnico-administrativas. E porque não políticas?


Como se sabe, a imposição de quotas aos professores titulares não foi minimamente justificada em termos pedagógicos, nem em boa verdade poderia sê-lo, sendo por isso que os critérios de avaliação dominantes, a adoptar em breve, repousam sobre comportamentos profissionais que têm, aparentemente, a vantagem de ser “observáveis” pelos futuros “responsáveis” e que, por isso mesmo, mais se prestam à mistificação e ao equívoco profissional por parte dos “observados”.


Em função desta alteração das condições de desenvolvimento da carreira, há lugar para reconhecer que a vida profissional dos docentes corre sérios riscos de ficar exposta, num futuro próximo, a processos de degradação psicológica e pedagógica acentuada por força de uma nova cultura profissional que será pautada, prioritariamente, por lógicas defensivas cada vez mais estratégicas. No novo contexto profissional em construção, será a competição a ditar os critérios das novas competências, o que fará de cada professor mais um adversário a evitar, que um colega a consultar e a apoiar.


Nesta perspectiva, tornar-se-á rotina o que dizia uma colega há tempos, premonitoriamente:


— “Não me apetece falar desta escola. Já conheci outra, onde me sentia feliz porque tinha prazer no que fazia. Discutíamos, ouvíamos... Hoje não se discute, mandam-se bocas. E assim não sei brincar. Apetece-me desistir e investir só nas quatro paredes da sala de aula. (...) Provavelmente serei má professora. Digo muitas vezes não sei, mas a escola que temos não permite que digamos não tenho a certeza, ajuda-me!...”


Esse será o tempo do grau zero da pedagogia. Poderemos, ainda, conjurá-lo?

Manuel Matos
FPCE da Universidade do Porto
Mmatos@fpce.up.pt



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