Estou a ter imensa dificuldade em digerir esta "vitória" de Pirro que a Plataforma sindical proclama.
Por mais esforço de compreensão que faça não consigo descortinar qual a vitória alcançada. Quando muito nesta guerra ganhou-se uma batalha, impondo um ligeiro recuo ao ME. Na prática, o ganho, resume-se à aceitação por parte do ME de uma inevitabilidade que decorria das condições no terreno e que consiste em aceitar que a avaliação dos contratados se processe pelos mínimos e de forma simplificada, como aliás, uma boa parte das escolas, se não a maioria, já tinha decidido fazer.
A única vitória que descortino e que nem sequer representa grande recuo do ME, pois que não põe em causa nem belisca o modelo de avaliação, é o facto de se uniformizar os procedimentos de avaliação à escala nacional. Diga-se em abono da verdade que já várias escolas pavlovianas e acríticas avaliaram os contratados de acordo com o novo modelo, com aulas assistidas e tudo. O Professor é o lobo do professor. Infelizmente, há sempre alguns prontos a aplicar tudo o que lhes vem de cima com enorme prontidão e solicitude. Uns por que aspiram a ser os novos directores, outros por que se devem ter em muito boa conta de Excelentes (executores das políticas do ME) outros ainda, sabe-se lá porquê... seguidismo, falta de integridade intelectual, ambição pessoal, ou pura e simplesmente acordo com as políticas do Governo.
Parece-me de facto uma vitória de Pirro. À semelhança do general grego que depois de derrotar os romanos na batalha de Ásculo, à custa de numerosas baixas, dizia: "mais uma vitória como esta e estarei perdido".
O que é que afinal se ganhou?
Diz a ministra e com alguma razão que não recuou. Com efeito, jogou bem, deixou cair uma questão menor, para salvaguardar o essencial. Como se afirma no site do Ministério: " A avaliação dos professores far-se-á sem interrupções, nem suspensões, nem adiamentos, e para todos os docentes."
Esta é que é a questão fundamental. O modelo de avaliação continua incólume e é para avançar.
É certo que representa um avanço a participação dos sindicatos numa comissão paritária com a administração educativa, mas não há garantia nenhuma de que o ME recue naquilo que constitui para nós uma questão essencial: a excessiva burocratização do processo, o esmagamento dos professores com dezenas de itens de avaliação e descritores surreais, a farsa das aulas assistidas, planificações, planos e mais planos, papéis e mais papéis, que nos desviam e roubam o precioso tempo para aquilo que é crucial: o trabalho concreto em sala de aula com os nossos alunos, desenvolvendo os nossos projectos.
Em 2008 - 2009 é tudo para aplicar como está e só em Junho e Julho de 2009 é que haverá lugar a uma eventual negociação, "com vista à introdução de eventuais modificações ou alterações, que tomará em consideração a avaliação do modelo, os elementos obtidos até então no processo de acompanhamento, avaliação e monitorização de primeiro ciclo de aplicação, bem como as propostas sindicais."
Para além de se manter intacta toda a concepção avaliativa com a sua estrutura, mecanismos e instrumentos, na sua globalidade inaceitáveis, o cerne da nossa luta que é o Estatuto da Carreira Docente, fonte primordial de todos os males, pode ficar bastante prejudicada.
Muito sinceramente temo que os/as professores/as, perante esta conversa anestesiante da "vitória" desarmem ou desanimem perante tão fracos resultados e se conformem, resignando-se e abdicando da luta.
Era preciso que a Plataforma sindical, em vez de cantar vitória, sublinhasse de forma bastante clara que houve um recuo, sim, mas que muito limitado. Seria necessário afirmar que as razões da luta se mantêm e não passar a mensagem que vão aproveitar o dia D para explicar aos professores as razões do entendimento com o ME.
Sinceramente vitórias destas, correm o risco de nos fazer perder o grosso do exército e quando for necessário mobilizar as tropas, metade ou mais já terá desertado, por mera desilusão, por conformismo, por desistência, ...
É certo que numa negociação sindical se deve ter a inteligência e a flexibilidade de por vezes ter de ceder e deixar cair algumas reivindicações menores. Não se pode ir para uma negociação com uma perspectiva maximalista do tipo ou tudo ou nada. Porém, a tentação de fazer proclamações tonitruantes de vitória, ainda por cima quando ela não é clara e perceptível por todos/as é um enorme perigo a que os sindicatos não resistiram e deviam tê-lo feito. Mais importante do que cantar vitórias era reforçar a disposição para a luta aproveitando a mobilização.
Importante, de facto, era que nos mantivéssemos unidos emperrando por todos os meios ao nosso alcance esta avaliação iníqua e injusta que mais não é do que um instrumento, articulado com o ECD, para dificultar a progressão na carreira, permitindo ao Estado poupar largos milhões de euros.
Aguardo com expectativa o que é que os sindicatos vão dizer aos professores no dia D e quais as expectativas de luta que vão ser apontadas (?).
Espero que não tenham vendido a luta dos professores/as por pouco mais do que um prato de lentilhas.
Tanto mais que as razões do nosso descontentamento, não se resumem à problemática da avaliação. A clamorosa injustiça da divisão da carreira e a impossibilidade de progressão na mesma até ao topo; o novo modelo de gestão que mais não é do que uma autêntica auto-estrada aberta à autocracia e a um modelo de escola pública profundamente hierarquizada e perfeitamente manietada que anulará de vez o único espaço de liberdade que, apesar de tudo, ainda subsiste e resiste ao controlo absoluto dos poderes centrais / locais; a ameaça de municipalização total do ensino básico, o que implicará, a prazo, o recrutamento de pessoal docente, inaugurando mais uma época áurea de regabofe clubístico-partidário. Tudo em nome de uma maior autonomia, meramente nominal, e de uma descentralização das políticas educativas, que apenas criará novas centralidades, porventura bem mais cerceadoras e controleiras, por parte dos presidentes dos municípios. Os mesmos presidentes que já se desdobram de forma omnipotente e omnipresente em múltiplas e tentaculares actividades locais que vão desde o clube de futebol local, passando pelas associações, agremiações e corporações várias, Bombeiros, Rotários e outras sinecuras afins, passarão também a controlar a escola transformando-a em mais uma agência de emprego para os amigos e protegidos.
A Educação, juntamente com a Saúde são praticamente os únicos sectores que ainda resistem à voragem privatizadora. Se não nos soubermos opor, não será por muito tempo.
As razões do nosso descontentamento e consequentemente da nossa luta por uma Escola pública para todos de qualidade mantêm-se, pois, no essencial, exigindo de todos nós: professores, pais, alunos e cidadãos em geral um maior empenhamento e participação.
Serafim Duarte, professor Escola Básica 2/3 de Cantanhede
segunda-feira, 14 de abril de 2008
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