quarta-feira, 30 de abril de 2008

Um debate muito útil


Já cá faltava um debate mais amplo e rico sobre Escola Pública, para lá dos circunstancialismos do momento e das reivindicações imediatas. Foi ontem no Auditório Carlos Paredes, em Benfica, com Helena Dias, Rui Canário, Cecília Honório e Inácia Santana.

Helena Dias, moderadora do debate, depois de apresentar os restantes oradores, revelou uma esperança que se frustrou: a esperança de que a Escola Pública pudesse combater a sério a reprodução das desigualdades sociais. A ex-Presidente da Federação de Pais de Lisboa realçou também a profunda burocratização e regulamentação que asfixia hoje a Escola.

Inácia Santana, do Movimento Escola Moderna, começou por denunciar as péssimas condições físicas e materiais das escolas portuguesas, desde a inexistência de espaços de trabalho para além das salas de aula, até às fracas condições ambientais e de saúde das próprias salas, quentes no verão e frias no inverno. Condições essas que mesmo assim não impedem muitos professores de desempenharem um trabalho meritório com os seus alunos.

E, numa explicação suave e ilustrada, revelou os métodos ainda inovadores do Movimento Escola Moderna, que investe na democracia e participação dos alunos na sua própria aprendizagem. Os alunos fazem o seu próprio plano de trabalho do dia, valorizando-se assim a autonomia, e aprendem os conteúdos curriculares a partir de perguntas que eles próprios têm curiosidade em ver respondidas. Um método de ensino democrático e que respeita a individualidade de cada aluno, mas que enfrenta a burocracia e regulamentação excessiva do Ministério da Educação, que impõe a modalidade de avaliação quantitativa e fichas mensais iguais para todos. Inácia Santana concluiu fazendo um apelo à cooperação. Cooperação com os alunos, entre os próprios professores, e com os pais e a comunidade.

Rui Canário, docente da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, sublinhou que o ensino público se vai transformando num negócio, caminhando para a privatização (veja-se a entrega de matérias que deviam fazer parte do currículo a empresas privadas, como actividades extra-curriculares) o que torna a própria educação menos controlável pelos cidadãos.
Apesar de o combate de hoje exijir que se defenda o investimento do Estado na educação contra as tendências privatizadoras, Rui Canário lembrou que defender a escola pública não significa sempre e em qualquer circunstância defender a escola estatal. E deu o exemplo dos Centros Republicanos, onde se aprendia a contra-corrente, no tempo do Estado Novo.

Quanto ao novo diploma de gestão das escolas que impõe um director, Canário lembrou que a gestão democrática das escolas foi precisamente uma conquista de Abril contra os directores e reitores nomeados pelo governo. Criticou este regresso ao passado mas lembrou também que infelizmente na maior parte das escolas os Conselhos Executivos já funcionam como gabinetes do Ministério da Educação e não como órgãos que representam quem os elegeu.

E concluiu com a necessidade de se continuar o 8 de Março, em cada escola e também em aliança com alunos, famílias e trabalhadores, numa frente unida contra o desemprego e pelos serviços públicos.

Cecília Honório, do Movimento Escola Pública, repegou o tema da reprodução das desigualdades sociais para frisar que ela vem de fora (as origens sociais das crianças são diferentes e a escola pouco consegue alterar essa realidade) mas é também promovida dentro da escola, quando se seleccionam alunos à partida e se constituem as turmas dos alunos “bons” e as turmas dos “alunos maus”. E denunciou também os currículos alternativos e os cursos profissionais para onde são atiradas todas as ciranças oriundas de famílias mais pobres, sinal de que a escola desiste de a todos proporcionar as mesmas oportunidades.

Cecília Honório lembrou ainda que a manifestação do 8 de Março e todo o processo de resistência dos professores às medidas burocráticas do governo, dos movimentos espontâneos aos sindicatos, significou um ganho em democracia e um furo grande na cortina de medo e passividade que imperava nas escolas. E lembrou que para além da resistência, o exemplo de experiências pedagógicas como aquela que o Movimento Escola Moderna desenvolve, mostra que é possível tranformar no dia a dia.

O debate aqueceu, quando, depois de algumas intervenções do público, Rui Canário lembrou a importância dos movimentos na transformação dos aparelhos sindicais, demasiado burocratizados. E recordou a primeira greve de professores em Portugal, frente ao Ministro da Educação do PS, na altura Sotto Mayor Cardia, que considerou todas as faltas por greve injustificadas. Destacou aqui o papel das Comissões Sindicais, de que Canário fez parte, e lembrou que nenhum activista sindical era profissional e todos davam aulas sem redução do seu tempo lectivo. Do público, Manuel Grilo, dirigente do SPGL, lembrou que o presidente deste sindicato continua a dar aulas e sublinhou o papel fundamental dos sindicatos para a contrução de uma identidade dos professores e para tornar possível a luta de massas, como foi exemplo disso as centenas de autocarros alugados para tornar possível a mega-manifestação do 8 de Março.

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