terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Privatização do currículo


Não me foi possível, infelizmente, estar presente no debate da manhã de dia 14 na Cidade Universitária e, se atendesse exclusivamente ao que para a comunicação social relevou, teria ficado com a estranha impressão de que a discussão sobre a escola pública se tinha centrado na questão dos professores e, muito especificamente, na sua avaliação.

Felizmente fui esclarecida de que assim não aconteceu, sendo que a força mediática da actual luta dos professores acaba por ter como mais um dano importante e a considerarmos, a secundarização nas nossas agendas dos efeitos que outras medidas, também elas de clara influência neoliberal e de carácter meramente economicista, têm tido sobre a escola pública.

E é fundamental que nós, mulheres e homens de esquerda discutamos, denunciemos e protestemos contra o profundo desvirtuamento da escola pública, sob pena de deixamos espaço para que todas as tropelias se mantenham, alarguem e instalem de mansinho, mas inabalavelmente.

A título de exemplo, trago para reflexão o que está a passar-se no primeiro ciclo, que os meus dois netos mais velhos agora frequentam, em que, áreas de aprendizagem que segundo a lei são curriculares, como por exemplo a educação física ou musical, foram integradas, sem qualquer respeito pela lei, nas 'actividades extra curriculares' - actividades, como o nome diz, fora do currículo e de carácter facultativo.

Mas, se o problema é já suficientemente grave para nos indignar, não fica por aqui: elas estão a ser entregues, completamente, à iniciativa privada, com trabalhadores, as mais das vezes, em regime laboral de uma precariedade chocante e muitas vezes com uma baixíssima qualidade técnica.

Temos muito para fazer, muito mesmo, quanto às inumeráveis questões de fundo preocupantes na escola que temos: ela não é, está muito longe de ser, está aliás cada vez mais longe de ser, uma escola de cidadania, em que a centralidade primeira (passe a redundância) sejam os alunos. Estamos, de facto, a afastar-nos de uma escola de vivência democrática, de aprendizagem de pensamento crítico, de respeito pelo outro, de respeito pelo aluno e respeito pelos profissionais que nela trabalham e que a ela dêem o seu melhor.

Estamos longe de uma escola que promova a igualdade. O problema que acima refiro é, aliás, disso exemplar: menor qualidade para aqueles que menos meios têm e para quem nenhuma possibilidade existe de procurar outras ofertas.
Ora isto não é tão grave? Eu estou profundamente preocupada.

Helena Dias

2 comentários:

Maria José Vitorino disse...

e vamos duas...
tanto falam de sucesso que se squecem de pensar na qualidade do sucesso que se procura
Uma questão política, uma questão moral e cultural. Na Faculdade de Letras, aberta ao Domingo para quem não queria diplomas mas apenas trocar ideias, muito se disse mas também muito ficou por dizer. Cabe a toda a gente tomar as palavras necessárias, tornar os cuidados como os teus e os meus e de tantos(as) outros(As) em posições efectivas, medidas transformadoras num sentido emancipatório, e não numa direcção conservadora e retrógrada. Com os ouvidos nos discursos, mas mil olhos no que realmente aconbtece todos os dias.
Como escreveu a Sophia, num outro tempo que é ainda o nosso tempo - esquecemo-nos tantas vezes disso, embriagados com a ilusão dos gadgets tecnológicos!
"Aquele que vê o fenómeno quer ver todo o fenómeno. É apenas uma questão de atenção, sequência e rigor. / É por isso que a poesia é uma moral. (...) E a busca da justiça é desde sempre uma coordenada fundamental de toda a obra poética."
Chamados tantas vezes país de poetas, parece que temos (a esquerda) pejo de assumir combates culturais na liça política
Conseguiremos ser mais poetas, na busca da justiça?

Obrigada pelo comentário despertador. Perdoa a resposta, talvez menos prática que o meu costume, mas inspiração com abstracção se paga.

Silvana Paulino disse...

Gostei. De tudo.
Bjs às duas