segunda-feira, 24 de março de 2008

Defender-se do presente com o passado?

Regressado de dois dias na Santa-Terrinha, vejo como o centro do debate mudou. Ainda é a Educação que dá que falar mas já não pelos mesmos factos. O vídeo da professora "à rasca" com uma aluna que tenta a todo o custo recuperar o telemóvel, e com os colegas a pedirem aos outros colegas para sairem da frente porque a coisa tinha que ser filmada, dizia eu, este vídeo que correu telejornais e jornais, suscitou os mais variados discursos, quase todos muito parecidos:

"Ai a autoridade dos professores já não é o que era..."
"Isto é uma pouca vergonha. A culpa é do estatuto do aluno que impede os professores de ter mão rija na sala de aula"
"A culpa é dos pais que já não ensinam os filhos a portarem-se bem"
"O governo tem culpas no cartório, porque desvalorizou de tal forma os professores, que lhes retirou autoridade"

A meu ver nenhuma destas linhas de pensamento resolve o que quer que seja. Os grandes críticos do "facilitismo", ou "contra o pedagogês", ou defensores das teorias pedagógicas unidireccionais , à antiga , em que "o aluno aprende está calado e o professor debita e impõe respeito", aproveitaram logo o momento para fazer valer as suas ideias. Do editorial de hoje de José Manuel Fernandes (cuja tese é a de que a importação para a escola portuguesa do professor do filme "o clube dos poetas mortos" está na origem da indisciplina que alastra por aí) às críticas demolidoras de Paulo Guinote a Paulo Freire (ou o seu elogio ao "examinês" contra o "eduquês"), o projecto parece ser o mesmo: disciplina, autoridade, esforço, submissão.

É muito fácil. É mesmo muito fácil vir ao de cima o saudosismo do antigamente quando as coisas começam a funcionar mal, quando a realidade de hoje desagrada e choca. É como aquela boca recorrente que ouvimos no autocarro: "no tempo do salazar não havia drogados nem tanta galderice...o que era preciso era dois salazares em cada esquina..."

Confesso que me faz impressão como o ser humano tem tanta tendência para defender-se do presente com o passado. Por isso rejeito as análises que centram a resolução do problema nas soluções autoritárias.

Dizer que a culpa é dos pais também não resolve nada. Não resolve porque o governo não pode obrigar os pais a portarem-se desta ou daquela forma com os filhos. Não resolve porque haverá sempre os meninos "bem educados" e os meninos "mal educados". E porque menoriza a escola na sua capacidade, que não é total mas existe, para mudar a vida e transformar comportamentos.

Dizer que a culpa é do governo porque destruiu a autoridade dos professores, também não me parece o camiho certo. É verdade que o governo achincalhou, humilhou, insultou, denegriu os professores. E fê-lo sem razão. Fê-lo por razões economicistas e de raiva. Mas também é verdade que mesmo que não o tivesse feito isso não teria evitado os casos de violência que sempre exisitiram e a indisciplina nas salas de aula. O problema é mais fundo e alguns alunos não precisam de uma ajuda do governo para fazerem o que bem entendem do espaço da sala de aula.


Por isso, inclino-me para um tipo de solução esboçada hoje pelo Rui Tavares na sua crónica no Público. Há que massificar a escola de elites. Ou seja, se hoje temos uma escola de massas, temos que fazer tudo para que a qualidade do ensino seja superior, superior mesmo à qualidade de ensino que existia quando a escola era só para alguns. Sem voltar aos métodos antigos, mas inovando nas práticas pedagógicas, com turmas mais pequenas, com mais professores, onde as preocupações de cada aluno possam ter tempo para se fazer ouvir, para terminar com a impessoalidade que reina em muitas salas de aula. Para que cada aluno sinta que aquele espaço também é seu e que o pode usar a seu favor. E são precisos também mais professores de apoio, que acompanhem individualmente os alunos. E é necessário também mudar esta situação insustentável de um professor ser obrigado a conhecer a cara e as vidas de 100 alunos por ano lectivo.

Neste aspecto, o governo tem muitas culpas. Porque estas medidas são caras. E como são caras, mesmo que sejam úteis e justas, deixam de ser pretendidas. A lógica do défice tem ganho sempre. Os professores no desemprego ou em situações de grande precariedade parecem fazer mais falta onde estão do que nas escolas, com estabilidade. Só que às vezes o barato sai caro....

E depois há outro debate a fazer: tornar a escola mais atractiva e mais actual, inovar nos currículos (educação sexual, educação artística, educação para a democracia, e por que não culinária e também tirar a carta de condução na escola?). Ligar mais a escola à vida, dar-lhe uma utilidade mais directamente perceptível para os alunos, diversificar os meios pedagógicos, recorrer mais à imagem e às novas tecnologias, envolver os alunos naquilo que aprendem. E isto nada tem que ver com facilitismo. A cultura do esforço só faz sentido se o produto do esforço fizer sentido para os alunos.


Miguel Reis

3 comentários:

luisladeira disse...

Subscrevo e acrescento: a escola tem de procurar suprir a falta de apoio em casa. Os alunos que têm «rede extra escolar» têm bons resultados. Os que a não têm, facilmente escorregam no percurso escolar. Esta constatação faço-a sempre que recebo turmas de 10º ano. Os que têm hábitos de trabalho, mesmo que tenham dificuldade com uma nova disciplina como é a Filosofia, perseveram e atingem os resultados pretendidos, os outros, e identifico-os com os tais que nunca tiveram rede, perdem-se, logo no primeiro período lectivo.
Desde há algum tempo que venho a congeminar se a razão deste falhanço não assentará no facto de os sem rede ficarem, demasiado cedo, por sua conta e risco, e se isso não é uma consequência da pluridocência alargada. No primeiro ciclo, os alunos têm um ensino de base monodocente, depois entram na pluridocência. Este regime deixa os alunos entregues a si mesmos, pois os professores contactam-nos apenas uma ou duas vezes por semana. Se não há um apoio em casa, os alunos tendem a perder-se nesta autonomia para a qual não estão ainda preparados. Assim, sou apologista de uma experiência de pluridocência reduzida, nos segundos e terceiros ciclos, de modo a que o mesmo professor, leccionando várias disciplinas, tenha um contacto diário com cada aluno. Aperceber-se-á com mais facilidade das dificuldades do aluno e poderá actuar a tempo.
Valerá a pena uma experiência assim? Talvez o possamos ver, na prática, dentro de alguns anos, quando o segundo ciclo for de pluridocência reduzida, segundo o novo regime de docência para o segundo ciclo. Mas, mesmo assim, acho que fazia falta uma experimentação de pequena dimensão que, para além do segundo ciclo, incluisse também o terceiro.

miguel reis disse...

Concordo. A escola deve procurar suprir a falta de paoio em casa. A solução esboçada, a aprtir da monodocência, é uma hipótese, mas há outras. Os professores tutores, podem ser professores de uma disciplina mas acompanharem o aluno durante a semana toda. E turmas mais pequenas, claro.

Setora disse...

Só hoje, 28 de Março, vim lê-lo estou absolutamente de acordo com a sua análise. O problema é que esta perspectiva tem poucos adeptos. Dá trabalho, que diabo, obriga a pensar, a descobrir soluções diferenciadas, obriga a atrevimento.